Petroleiros realizaram ato nesta terça-feira, no Rio - Ricardo Cassiano/Agencia O Dia
Petroleiros realizaram ato nesta terça-feira, no RioRicardo Cassiano/Agencia O Dia
Por *LUIZ FRANCO
Rio - As decisões tomadas pelo ministro Ives Gandra, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em relação à greve dos petroleiros, são inconstitucionais e têm motivação política, segundo a análise do advogado Marcelo Nogueira, membro da coordenação executiva nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Nesta segunda-feira, o ministro do TST considerou a greve "ilegal e abusiva" e liberou a Petrobras – que já havia decidido suspender as férias de seus funcionários para minimizar os efeitos da greve – a aplicar "eventuais sanções disciplinares" aos trabalhadores grevistas. Gandra manteve ainda a cobrança de multas diárias de R$ 250 mil a R$ 500 mil a cada sindicato envolvido na paralisação.
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"No nosso entendimento, são decisões políticas e parciais, que visam inviabilizar a greve dos petroleiros", afirmou Nogueira. "Esse governo já teve o entendimento de que esse movimento é um movimento que pode virar o jogo, que pode colocar as pessoas nas ruas, contra um governo que têm se mostrado extremamente desfavorável à classe trabalhadora", explicou.
Indagado sobre o caráter inconstitucional das medidas do TST, Nogueira afirma que: "Dentre outras medidas tomadas e decisões proferidas pelos tribunais, temos visto um ataque sistemático contra a Constituição de 1988, que foi a Constituição que deu muitas garantias para a classe trabalhadora. Então, eu diria, sob esse ponto de vista, que são decisões inconstitucionais sim".
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Em nota, a ABJD afirma que a decisão do ministro Ives Gandra é "monocrática" e "limita, senão põe fim, ao direito de greve, garantido pela Constituição Federal de 1988". A nota afirma ainda que ela cria um precedente "extremamente perigoso" ao esvaziar a "possibilidade do exercício do direito de greve".
A entidade também faz críticas às decisões proferidas pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que chancelaram as decisões tomadas por Gandra.
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Quebra de acordo trabalhista
Nesta terça-feira, a greve dos petroleiros chega ao seu 18º dia e contabiliza a adesão de 21 mil trabalhadores de 121 unidades do Sistema Petrobras, em 13 estados. Mesmo após a decisão do TST, um ato foi realizado na tarde desta terça-feira, no centro do Rio.
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A categoria exige o cumprimento do acordo trabalhista firmado entre sindicatos e a Petrobras em novembro de 2019 – e homologado no próprio TST – que, dentre outras coisas, proibia a empresa de realizar demissões em massa sem prévia negociação com os sindicatos. 
No dia 14 de janeiro, a Petrobras anunciou o fechamento e a demissão de todos os cerca de mil trabalhadores da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), no Paraná, sem nenhuma negociação.
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A greve também possui demandas como o fim do desmonte da Petrobras, uma política mais justa de preços sobre os derivados do Petróleo (que, hoje, são mais caros devido a uma política que segue uma tabela de preços internacional), mais empregos e soberania energética. 
Leia a nota completa emitida pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD):
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"No ordenamento jurídico brasileiro a greve representa uma forma de autotutela, que se efetiva com a paralisação temporária, coletiva e pacífica da prestação de serviço por parte das trabalhadoras e trabalhadores.

Em seu artigo 1º, a Constituição Federal de 1988 declara que os valores sociais do trabalho, e a dignidade da pessoa humana são fundamentos da República Federativa do Brasil. Em seus artigos 6º, 7º a 11º, e 170º, a Carta elenca os direitos sociais - incluído o trabalho - como direitos fundamentais, e subordina a ordem econômica a eles. Com outras palavras, nos diz que as normas devem ser criadas a partir do princípio da proteção, sendo a dignidade humana a base do trabalho e da ordem econômica.

Sobre o direito de greve, em seu artigo 9º, a Constituição Federal assegura que cabe aos trabalhadores definirem a oportunidade e sobre quais interesses se dará seu exercício, e à lei determinar as atividades essenciais que devem ser mantidas nas paralisações, para evitar prejuízos à sociedade. Ao Poder Judiciário incumbe analisar casos concretos de possível abusividade durante as greves.

É nesse sentido que a ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) vem a público externar sua preocupação e profundo desacordo com a guinada antidemocrática de setores do Poder Judiciário, espelhada pelas posições do ministro Ives Gandra Martins Filho do TST (Tribunal Superior do Trabalho), e do ministro Dias Toffoli do STF (Supremo Tribunal Federal) que, ao analisarem demanda proposta pela Petrobras em desfavor do movimento paredista, legalmente constituído por seus trabalhadores e trabalhadoras, limita, senão põe fim, ao direito de greve, garantido pela Constituição Federal de 1988.

Não nos parece nada razoável que, sob a inafastável observância do princípio da proteção e do direito de greve ainda vigentes, possa o Poder Judiciário considerar que há razoabilidade nas decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli do STF, e do ministro Ives Gandra Martins Filho do TST, atestando a necessidade de manutenção de 90% dos trabalhadores em atividade, a garantia da livre circulação nas unidades da empresa, além de fixar multa aos sindicatos por descumprimento da decisão, reformado o julgamento da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), órgão colegiado do TST.

A posição é teratológica e cria precedente extremamente perigoso, na medida em que aponta percentual quase total de trabalhadores que devem continuar em atividade, esvaziando, assim, a possibilidade do exercício do direito de greve. Além do mais, descaracteriza a jurisdição trabalhista que deve primar pela mediação das negociações coletivas, ao fechar a porta de diálogo pela via da resposta judicial, desdobrando-se como uma prática completamente antissindical.

A falta de compreensão acerca dos valores democráticos e o desrespeito às garantias e aos direitos fundamentais, reiteradamente consagrados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) e pela Constituição Federal de 1988, assentados nos entendimentos isolados de dois ministros integrantes de Cortes que deveriam primar pelas suas preservações e defesas, apenas corroboram com a fragilização institucional do sistema de justiça.

Dessa forma, a ABJD clama pela observância da Constituição Federal e dos direitos sociais nela esculpidos e se coloca ao lado dos defensores e defensoras do Estado Democrático de Direito, da luta dos trabalhadores e trabalhadoras por dignidade, direito de livre manifestação, defesa de garantias fundamentais e da soberania nacional, pelo meio constitucional de luta à sociedade garantido: o direito de greve."
*Estagiário sob supervisão de Thiago Antunes