Quanto mais o vírus circula de forma descontrolada, como hoje no Brasil, maior a chance da coinfecção e do surgimento de novas variantes. O perigo é apontado em novo estudo, publicado na semana passada na revista Virus Research. É assinado por pesquisadores do Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, e por especialistas em biotecnologia do Laboratório Nacional de Computação Científica, em Petrópolis, no Rio.
"Um achado robusto como o nosso é inédito no mundo, mas já havia a desconfiança de que isso já teria ocorrido", explicou o virologista Fernando Spilki, da Feevale, um dos autores do trabalho. "Até porque esse tipo de fenômeno é esperado no caso dos coronavírus, está na base da criação de novas variantes na natureza (além de mutações)."
É provável, segundo Spilki, que uma coinfecção e uma recombinação de genomas em algum animal tenham levado ao surgimento do SarsCoV-2. Mutações durante a própria replicação do vírus podem também gerar novos vírus. Mas esse processo seria mais raro.
"Na primeira onda da pandemia, a gente vinha vendo uma continuidade na evolução do genoma do vírus em um determinado ritmo, bem mais lento do que observamos na segunda onda", explica o virologista. "Na segunda onda, até mesmo devido a um controle muito flácido, houve expansão muito grande na diversidade do vírus. As mutações se dão ao acaso, mas quanto maior o número de hospedeiros, maior o número de mutações que acabam se estabelecendo ao longo do tempo na forma de variantes e, posteriormente, linhagens", diz Spilki.
Para chegar ao resultado publicado, os pesquisadores brasileiros fizeram o sequenciamento genético dos vírus presentes em 92 pacientes de covid-19. Em dois deles, duas mulheres na faixa dos 30 anos, foram encontradas duas linhagens diferentes, presentes de forma simultânea. Em um dos casos, havia duas variantes que circulam no Brasil desde o começo da pandemia. No segundo, no entanto, além de uma forma mais antiga do vírus, aparece também a P2. Ela foi identificada pela primeira vez no Rio. É potencialmente mais transmissível.
As duas mulheres tiveram episódios leves de covid-19. Não chegaram a ser internadas. Segundo Spilki, o maior risco da coinfecção não é uma apresentação mais grave da doença. É a recombinação do genoma das diferentes linhagens.
"Temos duas variantes de alta transmissibilidade circulando, a P2 e a britânica. Temos também, ao que tudo indica, a variante P1 que provocaria casos mais agressivos", explica Spilki. "Vamos imaginar que, com a circulação desenfreada do vírus, essas duas variantes se encontrem no mesmo indivíduo. A recombinação do genoma pode dar origem a uma variante com as duas características: mais transmissível e mais agressiva, características que tornariam o controle ainda mais difícil."
Outra preocupação seria o surgimento de novas variantes capazes de driblar as atuais vacinas. Mas isso não é razão para ninguém deixar de se imunizar, argumenta o pesquisador. "Não podemos dizer que as vacinas disponíveis não devem ser tomadas ou que não devemos confiar nelas", frisou Spilki. "Muito pelo contrário: a vacinação em massa é fundamental, e quanto mais rapidamente acontecer, menor a chance do surgimento dessas novas variantes."