O desembargador Paulo Afonso Brum Vaz atendeu pedido da AGU, considerando que, em um momento de crise sanitária generalizada, atender prioritariamente os pacientes catarinenses provocaria desequilíbrio entre os estadosSilvio Avila/Divulgação HCPA

Por Fernando Faria
O Brasil mergulha na fase mais dramática da pandemia. A covid-19, que já devastou Manaus e levou a rede de saúde a entrar em colapso, até com falta de oxigênio, intensifica-se em várias regiões, algumas já de forma avassaladora, com novas variantes. Não há dúvida de que os próximos meses serão duros, de dor e sofrimento. O número de mortos em 24 horas se aproxima da casa dos 2 mil, e a tendência é que siga nessa dramática progressão. Médicos fazem alerta, imploram para que as pessoas evitem aglomerações, usem máscaras e só saiam de casa quando absolutamente necessário.
Infectologista e diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, Alberto Chebabo traça um quadro preocupante: "A epidemia está em expansão em vários estados ao mesmo tempo, alguns já com lotações máximas das UTIs e isso deve aumentar nas próximas semanas". Em relação ao Rio, ele vê um um momento um pouco diferente: "Houve um segundo aumento de casos antecipado em relação ao resto do país, com exceção do Amazonas, e agora a gente tem mais tranquilidade. Obviamente, que a gente está cercado de estados que sofrem com esse impacto. Precisamos ficar atentos em relação às variantes e pode até haver uma piora. É preciso ficar muito atento. Os estados em volta têm casos em expansão". Além disso, lembra que os meses de abril, maio e junho já costumam registrar um aumento de problemas respiratórios.
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Professor de doenças infecciosas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Edimilson Migowski avalia que o trabalho das secretarias de Saúde do município e do estado vem sendo conduzido de forma correta: "O Rio de Janeiro, dependendo do alinhamento que venha a ser dado, está no caminho mais apropriado do que anteriormente. Acho que os secretários estão mais alinhados e engajados em reduzir realmente o impacto da covid-19". O surgimento de novas cepas é uma preocupação: "Essa probabilidade é tanto maior quanto maior for a circulação do vírus da cepa original. Então, conforme esse vírus vai se replicando em centenas, milhares, milhões de pessoas, a tendência realmente é surgir uma cepa mutante, que pode ser mais virulenta ou mais agressiva. Em geral, perde em agressividade e ganha em transmissibilidade", acrescenta Migowski.
Chebabo afirma que a explosão do número de casos é provocada por uma série de fatores: "As variantes têm um papel muito importante pelo poder de transmissão maior. Mas não são responsáveis pelo caos em Manaus e em outras cidades. Não é resultado de uma única situação. Aglomerações, falta de máscaras e distanciamento, festas e reuniões, inclusive familiares, tudo contribuiu. As variantes entram como um fator facilitador porque aumentam a disseminação de forma muito rápida. E ainda há o risco de reinfecção. Há casos que são mais graves, como se fosse uma nova doença".
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Em relação a novo lockdown, Chebabo avalia: "É uma medida extrema, de urgência, que deve ser aplicada em momentos de risco de colapso na rede de saúde. É para achatar a curva, dando fôlego à rede. Mas não pode ser utilizada como medida única. O fundamental mesmo é ter a população vacinada". Já Migowski acha que o lockdown não traz resultados tão significativos: "Uma vez que os estabelecimentos regularizados, como restaurantes e bares, fiscalizados pelo poder público, são fechados, a tendência é que a população migre para lugares não fiscalizados. Então, você vai ver os bares da comunidade enchendo, as ruas da comunidade enchendo e, na verdade, ninguém vai fechar um bar lá dentro".
Na opinião de Chebabo, se o Rio mantiver a vigilância e esses níveis da doença até abril e maio, é possível vencer esse período de tanta incerteza: "Até lá,já deveremos ter avançado na vacinação da população de maior risco (idosos, pessoas com comorbidades). Aí teremos uma grande chance de ter um período de mais tranquilidade".
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Colapso no Rio Grande do Sul
Uma das capitais brasileiras em maior dificuldade neste momento, Porto Alegre enfrenta situação de extrema gravidade com a covid. "As UTIs estão lotadas, com sobrecarga extrema do sistema de saúde. O maior hospital privado da capital gaúcha teve que alocar contêineres para colocar os mortos", lamenta Paulo Petry, mestre e doutor em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 
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"A situação de uma forma geral se repete no estado. O momento é dramático, sem dúvida. Essas novas cepas que vieram de Manaus já estão em transmissão comunitária no Rio Grande do Sul. São muito mais transmissíveis, mais resistentes aos anticorpos, driblam o sistema imunológico", acrescenta.
Ele lamenta o ritmo da vacinação no país: "Está muito lento. Quanto mais tempo o vírus circula, maior a probabilidade de mutação. E isso pode inviabilizar até mesmo as vacinas. Esse é um drama, uma triste possibilidade". Petry destaca que, em todo o Brasil, houve aglomerações no fim do ano e no Carnaval. "O litoral gaúcho reúne pessoas de todo o estado. Elas vieram, se aglomeraram, regressaram para as suas cidades e espalharam o vírus". E faz um alerta para o Rio de Janeiro: "O município precisa ficar atento porque recebe visitantes de todo o país".
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A falta de comando do governo federal e do Ministério da Saúde também é motivo de crítica. "Temos um presidente negacionista, que desdenha das vacinas, das máscaras e promove aglomerações. Precisamos de vacinas, seja qual for a nacionalidade. Não há outro caminho", conclui.
Cenário de guerra em Salvador
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Salvador também vive situação muito difícil. "Estamos em um cenário de guerra", definiu o secretário municipal de Saúde, Léo Prates. Com quase 90% de taxa de lotação das UTIs, o prefeito Bruno Reis já deixou claro que o sistema vai entrar em colapso e não haverá como socorrer os pacientes. A rede particular está com 100% de ocupação e algumas unidades já compraram contêineres frigoríficos para armazenar os corpos. 
Ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) podem ser usadas como leitos provisórios até que os pacientes consigam vagas em unidades hospitalares. Para tentar amenizar a situação, foram fechados pontos turísticos, parques e praias. A venda de bebida alcoólica está proibida das 20h às 5h e vetada completamente aos fins de semana.
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A Arena Fonte Nova voltou a receber um hospital de campanha para atender às vítimas da covid. Com dezenas de pacientes na fila de espera por uma vaga, as autoridades tentam abrir novos leitos para desafogar o sistema. Daqui a uma semana, a unidade deverá estar funcionando com 80 leitos e essa capacidade ainda poderá ser ampliada, em caso de necessidade, de acordo com as autoridades.
Hospitais de Salvador e da Região Metropolitana foram transformados em unidades exclusivas para atender a contaminados pela covid. Outro hospital de campanha será inaugurado e a promessa é que mais 350 leitos sejam abertos nas próximas semanas.
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'A situação é incerta e dramática'
Salvador encarou a pandemia inicialmente com muito rigor. Desde 18 de março de 2020, quando foi decretado o primeiro plano de restrições, até o início de julho, as pessoas obedeceram o isolamento social e o fechamento rigoroso do comércio, com restrições de horário inclusive para mercados. Vendo as notícias na TV, ficava preocupado com familiares no Rio, mas me sentia em completa segurança na capital baiana.
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A Bahia tinha uma das menores taxas de infecção e de mortes registradas no país. Mas, aos poucos, as medidas foram sendo afrouxadas. Quando a cidade foi abaixo dos 60% na ocupação das UTIs, a vida praticamente voltou ao normal, o que foi um erro grosseiro, pois ainda não havia um plano de vacinação. Durante o período eleitoral, os políticos cederam às pressões de comerciantes. De outubro para cá, bares lotados, praias apinhadas de banhistas e com as pessoas desrespeitando as regras básicas. Máscaras eram raras de serem vistas durante um passeio no calçadão da Barra, um dos pontos mais movimentados da cidade.
Nos bairros mais afastados da região central, os bailes de paredão, chamados assim por causa da muralha formada pelas gigantescas caixas de som, rolavam soltos no meio da rua. Não raramente a festa acabava em conflito após a chegada da polícia. O que acontece em Salvador é o mesmo que ocorre em praticamente todo o país. Estamos pagando pelas festas, aglomerações e desrespeito absoluto à vida que ocorreram entre o fim de 2020 e o início de 2021. A situação é incerta e dramática.
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*Depoimento de Flávio Almeida, jornalista, morador de Salvador