Julgamento de quatro acusados do incêndio na Boate Kiss começou na última quarta-feiraLeandro LV/ Wikimedia Commons

O julgamento do caso da Boate Kiss chega ao 6º dia nesta segunda-feira, 6, quando serão ouvidos como testemunha, o ex-funcionário da boate, Stenio Rodrigues Fernandes, além dos sobreviventes Willian Renato Machado e Nathalia Daronch. Ao todo, quatro réus respondem por 242 homicídios com dolo eventual, quando se assume o risco de matar, e 636 tentativas de homicídio, em referência à quantidade de feridos após o incêndio que atingiu a casa de shows em janeiro de 2013, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
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Durante a manhã desta segunda, o ex-funcionário da boate disse que na noite em que ocorreu o incêndio, saiu do local por volta da meia noite. Stenio, que respondeu perguntas do advogado de Elissandro Spohr, Jader Marques, afirmou que nunca tinha visto show de pirotecnia na boate. Em relação ao número de pessoas no momento do acidente, a testemunha acredita que não deviam ter mais de 800 pessoas no local, de acordo com os ingressos vendidos previamente.
Neste domingo, foram ouvidos uma testemunha de defesa do sócio da casa noturna, Mauro Hoffmann, Tiago Mutti. Também foi ouvido o sobrevivente Delvani Brondani Rosso, que durante o depoimento, levantou a camiseta pra mostrar as marcas das queimaduras em seu corpo. Ele perdeu 3 amigos na tragédia da Boate Kiss. "Quando acordei todo enfaixado, imóvel, eu era prisioneiro do meu corpo. Tentava entender o que estava acontecendo comigo", afirmou o Protético dentário.
Ao todo, 16 pessoas devem ser ouvidas como testemunhas além dos quatro réus.
Já no sábado, Cristiane dos Santos Clavé, que conseguiu escapar da tragédia com vida relatou que o irmão, que foi buscá-la no local, ajudou a quebrar as paredes da boate na tentativa de tirar a fumaça tóxica. "Quando meu irmão chegou, eu disse pra ele que aquilo era um filme de terror. Meu irmão foi tirar as madeiras que revestiram a parede. Ele veio até a mim dizendo que ia entrar. Eu disse pra ele não entrar", contou. Ela afirmou, ainda, que não houve um aviso para evacuação da casa noturna: "Muita gente morreu sem saber o que estava acontecendo".
Vanessa Gonzaga Noronha, irmã de uma das vítimas da tragédia prestou depoimento ao júri e relatou os momentos de angústia vividos pela família nesta sexta-feira, 3. "Queremos um pouco de paz, foram oito anos de luta e de perda", desabafou a irmã. Ela reforçou, ainda, que foram anos de impotência à espera de uma resposta. "Precisamos disso para acalentar nossos corações, para não deixar que isso torne a acontecer. Podemos ter esperado todo esse tempo, foi doloroso, mas chegamos até aqui", disse.
Uma ex-funcionária da boate, que foi a primeira testemunha a prestar depoimento, na quarta-feira, 1, mostrou o ponto de vista de quem estava no local no momento do incêndio e contou que sobreviveu por muito pouco. "A Kiss era um labirinto, eu mesmo trabalhava lá e quase não consegui sair", afirmou. Quando se iniciou o incêndio ela estava na cozinha, preparando lanches para os clientes, junto à colega Janaína, jovem que morreu na tragédia. Ao perceber que havia algo errado, Kátia teve dificuldade de deixar o espaço, que ficava relativamente próximo à saída.
"Escutava gente gritando que era fogo e gente gritando que era briga. Não sabia o que estava acontecendo. Quando senti que era fogo mesmo, respirei fundo e tentei sair. Mas tinha gente empurrando porque a porta da cozinha era perto dos banheiros, e tinha gente imaginando que o banheiro era a saída", acrescentou. Relatos da época indicam que diversos corpos foram encontrados no banheiro após o incêndio.
Ainda na quarta-feira, um dos quatro réus do caso passou mal antes do início do julgamento no Foro Central de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O produtor musical Luciano Bonilha Leão, de 44 anos, precisou ser atendido no ambulatório do local. Ao chegar no julgamento, ele não falou com a imprensa, porém deu a seguinte declaração: "Eu não sou assassino".
Segundo a denúncia do Ministério Público, Luciano foi a pessoa que comprou e ativou o fogo de artifício e que deu início ao incêndio e provocou a morte de 242 pessoas. Além dele, também são acusados os empresários e sócios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e o músico Marcelo de Jesus dos Santos, que além das mortes também são investigados pela tentativa de homicídio de outras 636 que tiveram ferimentos com o incêndio.
Último depoimento do dia
Começou o último depoimento do sexto dia de julgamento do incêndio que vitimou 242 pessoas na Boate Kiss, em Porto Alegre. Márcio André Jesus dos Santos, de 45 anos, é a primeira testemunha de defesa de Marcelo de Jesus, seu irmão, que na época era percussionista da banda Gurizada Fandangueira.
Segundo ele, a banda tinha o hábito de usar artefatos de pirotecnia quando era permitido pelos locais que se apresentavam. "Isso nós usávamos sempre", afirmou. Ele acrescentou que o grupo nunca recebeu instruções para não usar. "A banda já tinha usado artefato pirotécnico em outras apresentações na Boate Kiss e o Elissandro Spohr, o Kiko, sabia", afirmou Márcio.
"Nós não quisemos matar ninguém lá, meu irmão não quis matar ninguém lá... Sempre que permitido, nós fazíamos. Tocava uma música instrumental e, quando começava o show mesmo, eles disparavam", completou.
Em um certo momento, Márcio se emocionou ao responder à promotora Lúcia Helena Callegari.

"O Marcelo tem pouco estudo. O que ele fazia, com maior prazer, era cantar. Era uma pessoa que, o que tu mandar fazer, ele vai fazer. Eu tenho primeiro grau, trabalhei como motorista", relatou.

Marcelo ainda foi questionado pelo MP do porque de ter testemunhado no processo como testemunha de defesa de Marcelo ao invés de vítima.

"Eu ia ser vítima do meu irmão. Pelo amor que a nossa finada mãe nos ensinou a ter um pelo outro, ele jamais ia querer a minha morte. E o Luciano, por mais que convivemos pouco, era um rapaz idôneo. Era só assim que eu poderia ajudar meu irmão, falando a verdade", disse.