Projeto ComprovaReprodução

Brasil - É falsa a postagem que relaciona o aumento da gasolina ao pagamento de uma indenização da Petrobras ao Departamento de Justiça dos EUA (DoJ). O débito foi quitado em outubro do ano passado, e não interferiu no preço do combustível, que segue a cotação internacional do barril, além de outras variáveis, como impostos e custos de distribuição e revenda.
Conteúdo verificado: Publicação nas redes sociais atribui ao presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, falas relacionando o pagamento de indenização ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos ao aumento no preço dos combustíveis no Brasil. “Nós estamos terminando de pagar a ação indenizatória que o povo americano entrou na justiça pelos roubos da era Lula e Dilma na Petrobras e fez a empresa quase falir”, teria dito Silva e Luna à rádio Jovem Pan, segundo a postagem.

Onde foi publicado: Twitter e Facebook

Conclusão do Comprova: É falsa a postagem que atribui o aumento no preço da gasolina à indenização paga pela Petrobras ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A postagem destaca uma suposta frase que teria sido dita pelo presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, à rádio Jovem Pan, na qual ele faria a relação e ainda responsabilizaria os governos Lula e Dilma por quase levar a empresa à falência.

A Petrobras nega que Silva e Luna tenha dito qualquer frase nesse teor à emissora, em cujo canal no YouTube foi localizada apenas uma entrevista do presidente da empresa. Nela, a frase não é dita, e Silva e Luna afirma que a contribuição da Petrobras no preço da gasolina é “pequena”.

A política de preços da Petrobras segue o valor internacional do barril de petróleo e não foi impactada pelo pagamento da indenização, concluído em 4 de outubro passado. O último reajuste no preço da gasolina que a Petrobras comercializa às distribuidoras foi no dia 11 de março. A justificativa foi o aumento na cotação internacional do preço do barril como consequência da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Por não deter o monopólio na comercialização da gasolina no país, o preço do combustível que chega para o consumidor não depende apenas do valor cobrado pela Petrobras, mas também de outros acréscimos, como os custos de distribuição e revenda, além de impostos.
Já o pagamento da indenização ao governo americano, ao contrário do que afirmam as postagens aqui verificadas, não provocou aumento do preço praticado pela Petrobras, pois o valor é considerado ínfimo em relação ao lucro anual da empresa, que bateu recorde no ano passado, como explica o professor de Economia do Ibmec consultado pelo Comprova.

A multa indenizatória foi motivada porque a Petrobras deixou de manter os controles orçamentários de forma legal e utilizou de meios corruptos para beneficiar terceiros, prejudicando os proprietários de títulos da empresa nos EUA.

Para o Comprova, falso é qualquer conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

O que diz o autor da publicação: Através do perfil no Facebook e contato no WhatsApp, o autor da publicação foi procurado pelo Comprova. Ele afirmou: “Eu sou checador de fatos independente e faço checagem dos checadores que não checam nada. A entrevista dele está no canal da Jovem Pan no YouTube. Vai lá e checa”. Quando perguntado se há outros esclarecimentos sobre a postagem, o autor não voltou a se expressar.

Como verificamos: O Comprova procurou a Petrobras para esclarecer questões relacionadas à política de preços da empresa e a possíveis impactos provocados pelo pagamento da indenização ao governo americano no valor da gasolina para o consumidor final. Para responder às mesmas perguntas, o Comprova buscou informações oficiais nos sites da Petrobras e do Departamento de Justiça dos EUA e entrevistou Caio Ferrari Ferreira, professor de Economia do Ibmec. A rádio Jovem Pan também foi procurada.
Dívida com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos
Segundo a publicação do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, compartilhada em setembro de 2018, a Petrobras admitiu que deixou de manter os controles internos, registros contábeis e demonstrações financeiras da companhia de forma justa e precisa. Isso foi resultado de propinas geradas por empreiteiras da empresa com a cooperação de alguns executivos da Petrobras.

Os atos violaram a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, que proíbe o uso corrupto de qualquer meio para promover pagamentos ou promessas de pagamento que influenciam uma autoridade estrangeira em sua atuação oficial. A norma funciona para proteger empresas com títulos nos Estados Unidos.

O total da multa indenizatória é de US$ 853,2 milhões, equivalente a R$ 4,21 bilhões segundo a cotação do dia 21 de março de 2022, e foi arbitrada pelo DoJ. Na publicação falsa é mencionado o valor de 880 bilhões, sem especificar de qual moeda se trata.

Além disso, segundo o acordo, a maior parte do dinheiro foi destinada a instituições no Brasil. A Petrobras pagou 10% (US$ 85.320.000) à U.S. Securities and Exchange Commission (SEC); 10% (US$ 85.320.000) ao Departamento de Justiça dos EUA e os 80% restantes (US$ 682.560.000) para as autoridades brasileiras.

Em nota, a empresa afirmou que concluiu as obrigações previstas no dia 4 de outubro de 2021. Assim, a dívida foi encerrada. “Com a conclusão das obrigações previstas no acordo, a Petrobras encerra uma importante etapa de sua trajetória de recuperação. Viramos, enfim, essa página e o fim do acompanhamento do DoJ comprova que vivemos novos tempos, com nosso sistema de conformidade sendo fortalecido dia após dia”, disse o diretor executivo de Governança e Conformidade da Petrobras, Salvador Dahan, no documento.

No Balanço de Demonstrações Financeiras de 2021, há uma área sobre as investigações envolvendo a companhia. “A Petrobras concluiu as obrigações previstas no acordo assinado com a DoJ, incluindo a evolução do seu programa de integridade e o envio de informações durante os três anos de acordo, que foi atendido integralmente e, portanto, encerrado”, afirma o relatório.

A formação do preço da gasolina
A entrevista do presidente da Petrobras, general Joaquim Silva e Luna, à rádio Jovem Pan aconteceu em 23 de novembro do ano passado, no programa “Os Pingos nos Is”. Na ocasião, o presidente explicou como se dá a formação de preço da gasolina.

“A contribuição da Petrobras no preço da gasolina é de R$ 2,33. Ela está chegando a R$ 7, R$ 8 em alguns locais, mas isso não é a Petrobras: 27% é etanol, uma parte são tributos federais, o ICMS, PIS, Cofins, que são colocados no preço, e no final chega a um preço desse montante. E também tem a própria revenda, o transporte, que acrescenta. A contribuição da Petrobras no preço, ela é pequena. Se tem alguma coisa a ser feita, ela não seria aqui na Petrobras”, disse o presidente, a partir do minuto 18 da entrevista. Os valores são referentes ao preço do combustível na época.

Em audiência no Senado, no mesmo dia em que a entrevista foi ao ar, Silva e Luna citou ainda outras variáveis para a formação do preço da gasolina:

“A pandemia e o combate a ela nos colocaram em uma posição diferenciada. Tivemos como consequência um choque de demanda elevado, com uma oferta inferior à demanda. Como consequência, uma escalada muito grande do preço das commodities. [Além disso], uma crise hídrica e a desvalorização do real em relação ao dólar”.

No site da Petrobras, há explicações sobre a formação do preço médio da gasolina no país: R$ 2,37 se refere à gasolina A, produzida pela Petrobras em suas refinarias. Os R$ 4,31 restantes envolvem custo do etanol anidro, distribuição e revenda e os tributos ICMS, CIDE, Pis/Pasep e Cofins. Esse preço total é o da gasolina C, que chega aos consumidores na bomba.

“Ao entender que a cadeia de formação do preço da gasolina é composta por diversas parcelas, é possível perceber que qualquer alteração em pelo menos uma delas terá reflexos, para mais ou para menos, no preço que o consumidor da gasolina C pagará na bomba. Como se vê, a Petrobras tem ingerência apenas sobre uma parcela na formação do preço final ao consumidor, que é representada pelo preço do combustível nas nossas refinarias, sem incidência de tributos”, diz trecho no site da Petrobras, na seção “Cadeia de Comercialização e a Composição dos Preços” (print abaixo).
Trecho em site da Petrobras explica que participação da empresa na formação do preço da gasolina se refere a apenas uma parcela do preço total - Reprodução
Trecho em site da Petrobras explica que participação da empresa na formação do preço da gasolina se refere a apenas uma parcela do preço totalReprodução
Entrevista à Jovem Pan
A postagem verificada pelo Comprova é do dia 10 de março. No texto, se refere a uma suposta entrevista de Joaquim Silva e Luna, “ontem”, à rádio Jovem Pan. Em contato com o Comprova, a Jovem Pan disse que a última entrevista do presidente da Petrobras à rádio foi a do dia 23 de novembro, no programa “Os Pingos nos Is”. No canal da emissora no YouTube, esta é a única disponível.

A assessoria de imprensa da Petrobras disse que houve uma conversa de Silva e Luna com a Jovem Pan em março, mas que o assunto não se relaciona ao que diz a postagem. Questionada sobre o exato teor da conversa, a assessoria respondeu que não poderia informar por ser um assunto restrito à presidência da empresa.

Postagens com o mesmo texto desta do dia 10 de março já circulam nas redes sociais desde dezembro do ano passado, pelo menos.

Política de preço é baseada no valor internacional do petróleo
O Preço de Paridade Internacional (PPI) é a atual política de preços da Petrobras, implementada em 2016 durante o governo do ex-presidente Michel Temer. Segundo Caio Ferrari Ferreira, professor de Economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), ela se baseia no preço internacional do barril de petróleo para garantir um mercado interno vantajoso para outras empresas, já que a Petrobras, sozinha, não consegue suprir toda a demanda do consumo nacional.

“Se a Petrobras baixasse o preço da gasolina por conta própria, iria promover um desequilíbrio no fornecimento interno em relação às outras empresas, que se baseiam no preço internacional do petróleo. Assim, o mercado brasileiro não seria mais vantajoso para essas outras empresas, como a Shell, que deixariam de operar no Brasil. Haveria, nesse caso, risco de desabastecimento, pois a Petrobras não consegue suprir toda a demanda do país”, explica Ferreira, que acrescenta: “Da mesma forma, a Petrobras, nesse caso, poderia privilegiar as exportações em detrimento do mercado interno, já que ela é uma empresa como outra qualquer e precisa gerar lucro para os acionistas. Mais uma vez, haveria risco de desabastecimento interno”.

Não há impacto da indenização paga aos EUA no preço do combustível
Ainda de acordo com Ferreira, o valor da indenização paga ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos não é capaz de interferir no preço da gasolina por ser um valor considerado ínfimo em relação aos lucros da empresa, que, no ano passado, atingiu o patamar recorde de R$ 106,6 bilhões.

“O valor da indenização paga ao governo americano representa menos de 1% do lucro anual da Petrobras. Sendo assim, é um valor relativamente baixo, que não chega a fazer com que a empresa fique numa situação difícil a ponto de ter que aumentar o preço da gasolina para haver uma compensação nas suas contas”, afirma o economista.

Ainda em relação aos lucros do ano passado, a Petrobras afirma que também houve recorde no recolhimento de tributos à União, estados e municípios: um valor total de R$ 54,5 bilhões, cerca de 70% a mais na comparação com 2020 (R$ 32 bilhões) e aproximadamente 36% em relação a 2019 (R$ 39,9 bilhões).

O último reajuste da Petrobras no preço da gasolina que produz e vende para as distribuidoras aconteceu no dia 11 de março, quando o preço médio passou de R$ 3,25 para R$ 3,86 por litro. Segundo a Petrobras, o aumento se deu em razão da escala do preço do barril de petróleo devido à guerra na Ucrânia.

Em uma página do site, a Petrobras esclarece se usa o preço da gasolina para compensar perdas em outros setores. De acordo com a estatal, não há relação direta com a situação conjuntural da empresa, nem mesmo com seus resultados financeiros. O que determina os ajustes é a variação do valor do petróleo e seus derivados no mercado internacional, associada às condições locais de mercado.

“A formação de preços dos combustíveis nas refinarias da Petrobras segue a dinâmica dos mercados de commodities em ambiente de livre competição, acompanhando os movimentos do mercado internacional, para cima ou para baixo”, explica a empresa.

Por que investigamos: O Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre a pandemia de covid-19, eleições e políticas públicas do governo federal. Informações imprecisas sobre finanças da Petrobras podem influenciar a percepção sobre políticas da empresa em relação ao preço de combustíveis. Além disso, ao vincular processos judiciais aos governos de Lula e Dilma, o eleitor pode decidir seu voto influenciado por dados falsos, gerando prejuízos ao processo democrático.

Alcance da publicação: Até o dia 21 de março de 2022, a publicação alcançou 4.361 curtidas, 1.792 compartilhamentos e 161 comentários.

Outras checagens sobre o tema: A Agência Lupa e o portal G1 fizeram verificações recentes sobre a mesma publicação. Ambos concluíram que os conteúdos compartilhados eram falsos. Recentemente, o Comprova demonstrou que post engana ao confundir resultado fiscal com crescimento do PIB em 2021 e que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) não investiu em bateria de nióbio para carros elétricos
*Conteúdo investigado por O DIA e Metrópoles. E verificado por Poder360, Correio de Carajás, Rádio BandNews FM, A Gazeta, NSC Comunicação, SBT, SBT News, O Popular, Imirante.com, Plural Curitiba e Jornal do Commercio de Pernambuco.