Governo federal autoriza construção de 2 mil novas escolas mesmo sem dinheiro para terminar as 3,5 mil em construçãoMarcelo Camargo/Agência Brasil

Brasília - Mesmo com 3,5 mil construções de escolas paradas por falta de verba, o Ministério da Educação (MEC) autorizou a construção de outras 2 mil unidades a oito meses das eleições. O caso foi denunciado neste domingo, 10, pelo Estadão e está sendo chamado de “escolas fakes”.
O jornal apurou que senadores e deputados anunciam em suas redes sociais que conseguiram o dinheiro necessário para a construção de novas escolas junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No entanto, segundo a apuração do Estadão, o órgão tem apenas R$ 114 milhões de reais disponíveis para todo o ano de 2022, valor muito abaixo dos R$ 5,9 bilhões necessários para entregar todas as unidades prometidas.
Um dos parlamentares que prometem mais escolas é o deputado Vicentinho Júnior (Progressistas-DO) que afirmou aos seguidores ter conseguido R$ 209 milhões para construir 25 escolas, 12 creches e três quadras poliesportivas em 38 municípios do seu estado. Os números impressionantes ficaram apenas no discurso, pois, na realidade, Vicentinho conseguiu apenas 2,6% desse total, o que equivale a R$ 5,4 milhões, valor que não cobre a construção de uma única escola.
Com o dinheiro que tem em caixa, o FNDE, levaria 51 anos para cumprir o anúncio dos parlamentares. O órgão é controlado por Marcelo Ponte, ex-assessor do chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Além de não haver garantias financeiras de que as obras serão realizadas, o governo fere as leis orçamentárias ao priorizar novas construções em vez das que já foram iniciadas.
“Alocar recursos sabidamente insuficientes para obras novas, quando há um saldo significativo de obras paralisadas, ofende a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias”, afirmou Élida Graziane Pinto, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ao Estadão.
“É uma alocação gerencialmente irracional e fisicamente irresponsável que apenas atende ao curto prazo eleitoral dos que desejam tão somente inaugurar placas”, disse a professora.
Até agora, foram liberados apenas 3,8% dos recursos previstos para a construção das novas unidades de educação, sendo que 560 obras ganharam apenas 1% dos valores reservados.
Na última quinta-feira,7, Marcelo Ponte afirmou na Comissão de Educação (CE) do Senado que a prioridade do FNDE é a conclusão das obras paradas, mas não mencionou as outras 2 mil que estão sendo anunciadas.
Segundo o Estadão, o fluxo de dinheiro liberado pelo órgão prioriza o reduto do partido de Ciro Nogueira, o Progressistas.
O jornal apurou ainda que os prefeitos que pedem a conclusão das obras em suas cidades são orientados pelos parlamentares a iniciar uma nova obra para poderem se apresentar como autores do projeto.
Um dos gestores municipais que ouviu essa proposta foi o Dr. João, de Inhumas, Goiás. Ele contou que foi várias vezes à Brasília pedir a finalização das construções no seu município e chegou a se reunir com o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, em um encontro mediado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, envolvidos em um suposto esquema de corrupção dentro do MEC. No entanto, em vez de conseguir o que queria, ele teria recebido a sugestão do deputado Professor Alcides (PL-GO) de iniciar outra escola.
Procurado pelo Estadão, o parlamentar disse que não sabia que faltavam recursos para a conclusão de obras antigas e afirmou: “Aquilo que ele (Dr. João) tem procurado, eu tenho procurado atender. Eu não sei adivinhar, né?”
Enquanto novas obras são anunciadas, os municípios sofrem com as construções inacabadas. Em Uruçuca, na Bahia, os estudantes esperam desde 2012 a conclusão de uma escola orçada em R$ 18,5 milhões que está 85% pronta. De acordo com a arquiteta do projeto, Beatriz Goulart, os pagamentos que já estavam sendo atrasados foram interrompidos em julho de 2021. Se estivesse pronta, a unidade atenderia cerca de 2 mil crianças do distrito de Serra Grande.