Deputado Daniel SilveiraVinicius Loures/Câmara dos Deputados

Após a Rede Sustentabilidade protocolar ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte anule decreto do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que livra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) da condenação a 8 anos e 9 meses de prisão, os partidos PDT e Cidadania também ingressaram com pedido para suspensão do indulto do chefe do Executivo ao parlamentar bolsonarista. 
No entendimento do Cidadania, embora seja ato discricionário do presidente, a fundamentação do decreto é flagrantemente inconstitucional, uma vez que a Presidência da República não pode se converter em instância recursal do Supremo, que tem a palavra final sobre a interpretação da Constituição Federal.
O Cidadania alega desvio de finalidade, já que Bolsonaro está “utilizando da coisa pública para fins político-pessoais particulares”, o que é “manifestamente incompatível com os princípios republicano e da moralidade”. E questiona ainda o fato de o benefício ter sido concedido antes do trânsito em julgado da pena. Apesar de ter sido condenado, Daniel Silveira ainda pode recorrer.

Para o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, o decreto de Bolsonaro é “um insulto” e tem de ser prontamente sustado. “Não tem cabimento. Bolsonaro não é instância revisora do Judiciário. A palavra final é do STF. Ponto. Isso não foi um indulto, mas um insulto à Constituição, à República e a todos os brasileiros cumpridores da lei. Temos na Presidência da República um sujeito sem escrúpulo algum, que não perde a oportunidade de aviltar as instituições e tentar rebaixá-las a seu nível”, critica.
Na peça assinada pelos advogados Paulo Iotti e Renato Galuppo, o Cidadania pede que o STF conceda medida cautelar e suspenda a eficácia do decreto até o julgamento definitivo da ação. E, que ao fim, seja declarada a inconstitucionalidade do indulto individual a Daniel Silveira.

Os advogados alegam “abuso de poder” e “violação dos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da República e da moralidade administrativa”.

“Deturpação do relevante instituto do indulto individual (ou “graça constitucional”), que não foi concebido para proteção de aliados políticos por simples intuito de desafiar a autoridade das decisões da Suprema Corte por Presidente da República que notoriamente ataca seus integrantes apenas por lhe desagradarem as decisões técnico-jurídicas”, assinalam.
No documento do PDT, os advogados da legenda pedem que o Supremo, em caráter liminar, suspenda imediatamente a decisão do presidente da República. “O presidente da República editou o Decreto de 21 de abril de 2022 com o cerne de violar as competências constitucionais deste Supremo Tribunal Federal e desrespeitar suas decisões, em um ato eminentemente autoritário e inconstitucional. Intentou-se, com isso, fazer tábula rasa do julgamento realizado no dia 20 de abril de 2022, que condenou o senhor Daniel Silveira”, argumentam na ação.
Na visão do jurídico do PDT, Bolsonaro fez uso do instrumento constitucional para beneficiar seu aliado político e confrontar decisões tomadas pelo Judiciário, em clara escalada autoritária do presidente da república.

“Ou seja, o presidente da República fez uso de um instrumento constitucional para beneficiar pessoa próxima apenas por não concordar com o posicionamento externado pelo Supremo Tribunal Federal, o que se configura como uma estratagema para não cumprir uma decisão judicial”, acrescentam.

Os advogados do PDT afirmam, ainda, que “há ocorrência de nítido abuso de poder, consubstanciado no desvio de finalidade”.
OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou que acompanha atenta e com preocupação os últimos fatos envolvendo a relação entre a presidência da República e o STF. Para orientar eventual ação da Ordem, o presidente nacional da entidade, Beto Simonetti, solicitou que a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais analise, com a urgência que o caso requer, o decreto de graça constitucional editado pelo Poder Executivo.

"Assim que estiver concluído, o parecer da Comissão será submetido, imediatamente, para deliberação do plenário da OAB, órgão máximo de deliberação da instituição, em sessão extraordinária", afirma Simonetti.

"O descumprimento de decisões judiciais é extremamente preocupante para a estabilidade do Estado de Direito. O diálogo institucional e o respeito ao princípio da separação entre os Poderes devem orientar o enfrentamento de desafios como o que se apresenta", diz o presidente nacional da Ordem.
Indulto 
Bolsonaro anunciou na noite desta quinta-feira, 21, durante uma live, o indulto ao deputado federal, que foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU). O indulto significa o perdão da pena e pode ser concedido pelo presidente da República por meio de decreto. A intenção do presidente é perdoar as possíveis irregularidades cometidas pelo parlamentar.

"É uma notícia de extrema importância para a nossa democracia e a nossa liberdade. É um documento que eu comecei a trabalhar desde ontem, quando foi anunciada a prisão de oito anos e nove meses ao deputado federal Daniel Silveira", afirmou o presidente, que falou ainda em "liberdade de expressão" para defender as falas do parlamentar, defensor público e notório da reedição do AI-5, e disse que a sociedade está "comovida" com a punição ao deputado.
"Estamos cumprindo à risca o que decidiu lá atrás (o ministro do Supremo Tribunal Federal) Alexandre Moraes", disse, repetindo que seu decreto será cumprido. O decreto que trata do indulto, de acordo com o presidente, extrapola a questão do parlamentar. "O decreto pode ser um marco para todos nós", avisou.
Justificativa

Depois de reler o decreto que concedeu perdão ao deputado Silveira, o presidente leu um documento jurídico que chamou de "motivação do ato". O chefe do Executivo estimou que apenas a leitura desta segunda peça iria demorar cerca de 10 minutos.

Além de falar espontaneamente que a decisão de decretar perdão ao parlamentar está baseada em atos anteriores de Moraes, o presidente, na leitura do documento, fez questão de citar várias menções feitas pelo magistrado ao longo de sua atuação na Suprema Corte.

O presidente encerrou sua live semanal enfatizando que a decisão - publicada mais cedo em edição extra do DOU é um direito do presidente da República. "Era o que eu tinha a declarar, é assunto pacificado", afirmou ele no encerramento da transmissão.

O chefe do Executivo voltou a repetir que o teor do documento está embasado na jurisprudência concedida pelo ministro Alexandre de Moares, tido por bolsonaristas como "algoz do governo". "Tudo está sob a jurisprudência do próprio ministro", enfatizou, voltando a mencionar que o decreto de indulto a Silveira é constitucional e será cumprido.
Decisão
Nove ministros acompanharam o voto do relator Alexandre de Moraes. O único a votar pela absolvição do parlamentar foi Kassio Nunes Marques, escolhido para integrar a Corte justamente pelo presidente Bolsonaro.
Além de ser condenado à prisão, os ministros do STF cassaram o mandato e suspenderam os direitos políticos de Silveira, que também foi multado em R$ 192 mil.
De acordo com os ministros do STF, o ato de Bolsonaro é inconstitucional, já que o julgamento do deputado não foi concluído judicialmente, pois a defesa ainda pode apresentar recurso e, após isso, a Corte precisaria julgar os embargos. Para os magistrados, o ato de Bolsonaro não se encaixa nesse cenário.
Pela Constituição vigente, promulgada em 1988, o indulto pode ser estendido a brasileiros e estrangeiros que não tenham cometido crimes com grave ameaça ou violência.