Delatores da Operação Lava Jato se arrependem de acordo e pedem anulação do pactoVagner Rosário/VEJA

Alguns empreiteiros, políticos e doleiros que fizeram acordo de delação premiada depois da Operação Lava Jato falam reservadamente em pedir a anulação das ações penais, segundo reportagem deste domingo (24) do Estado de São Paulo. De acordo com especialistas em direito penal ouvidos pelo Estadão, os réus, que respondem pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, podem conseguir até a devolução das multas já pagas.
Os delatores consideram que as multas impostas pela Receita Federal com base nas suas próprias confissões são pesadas e maiores do que o valor acordado. Segundo eles, as multas descumprem os termos que estipulavam os montantes que deveriam ser devolvidos dos desvios na Petrobras.
As últimas decisões da Justiça, que concedeu liberdade e anulação de pena a alguns denunciados, deixou os delatores ainda mais descontentes. Eles afirmam que não teriam feito o acordo de delação se soubessem que cumpririam medidas restritivas, como uso de tornozeleira eletrônica, enquanto os denunciados seguem em liberdade. Apesar disso, nem todos falam em anulação da sentença.
Entre os insatisfeitos com o pacto estão dois executivos da Odebrecht, o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, o ex-presidente da UTC, Ricardo Pessoa, além do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró.
A defesa de réus da Lava Jato já pediram acesso ao material usado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, para anular a condenação do dono da Itaipava, Walter Faria. A decisão se baseou em mensagens hackeadas dos procuradores da operação. O ex-governador do Rio Sergio Cabral, e o doleiro Adir Assad, que confessou ter lavado mais de R$ 100 milhões em obras de estradas em São Paulo, são alguns dos que requerem o material.
A defesa de Léo Pinheiro, no entanto, negou que o cliente tenha arrependimento em relação ao acordo de delação. Já a defesa de Assad não respondeu ao contato do Estadão.
De acordo com a reportagem, o ex-deputado Pedro Corrêa (Progressistas) também pensa em usar o caso de Faria para anular seu acordo de delação. Ele segue em prisão domiciliar em Recife (PE), pois não pagou a multa imposta no mensalão.
O doleiro Alberto Youssef, importante delator do alto escalão da política, é um dos mais insatisfeitos, segundo o jornal. Ele foi preso em março de 2014, e precisa usar tornozeleira eletrônica e permanecer em casa aos fins de semana. Youssef reclama de ter que viajar mil quilômetros toda semana para trabalhar em Santa Catarina. A defesa do doleiro não se manifestou sobre a possível insatisfação.
Além do doleiro, o lobista Julio Camargo, peça-chave para a condenação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, também estaria em busca da anulação do seu processo. A Receita multou Camargo por infrações no Imposto de Renda, cobrando R$ 120 milhões, além do valor já devolvido. O lobista, que está com os bens bloqueados, não se manifestou.
Anulações
Recentemente, Gilmar Mendes usou mensagens hackeadas de procuradores da Lava Jato para eximir o dono da Itaipava, Walter Faria, das condenações. O empresário era acusado de viabilizar dinheiro em espécie para a Odebrecht pagar propina a políticos, caso que recebeu o apelido de “caixa 3”.
O ministro argumentou que houve “quebra de imparcialidade” e “acordo espúrio” entre o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), que na ocasião era o responsável pelo caso, e o Ministério Público Federal (MPF) nas investigações sobre o empresário.
Gilmar rejeita a hipótese de que a decisão teria o efeito de ser estendida a outros réus. Apesar disso, as defesas dos delatores passaram a conversar com os clientes sobre a possibilidade de uma ofensiva contra as investigações e seus próprios acordos.
Em 2019, o Judiciário anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, e repetiu o mesmo ato com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2021.
Preocupação
Segundo o procurador da República Bruno Calabrich, que atuou nos casos relacionados à Lava Jato, o STF deverá decidir se o dinheiro das multas será devolvido. “Porque, a rigor, se não houver nenhum motivo para o dinheiro ser revertido à União ou à empresa lesada, que foi a Petrobras, o dinheiro tem de ser devolvido. Simples”, disse o procurador ao Estadão.
“Quando o valor foi entregue não a título de multa, mas a título de devolução de valores ilícitos, não há devolução (ao delator), porque não se devolvem bens de origem ilícita”, afirmou o advogado e professor de processo penal da Universidade Federal Fluminense (UFF), João Pedro Pádua.