Exemplo de local onde se pratica trabalho análogo à escravidãoDivulgação/Ministério Público do Trabalho
Para o procurador do Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT-AL) e coordenador regional de Combate ao Trabalho Escravo, Tiago Muniz Cavalcanti, o enfrentamento dessas situações se faz em duas vertentes: a repressiva e a preventiva.
“Quando falamos em prevenção, existem duas formas, a prevenção primária é quando o crime ainda não ocorreu. A secundária é quando o crime já ocorreu e precisamos acolher essa vítima, reverter os fatores de vulnerabilidade e reincluí-la no trabalho digno, para que não volte a ser novamente vítima do trabalho escravo. A vertente preventiva, tanto primária quanto secundária, é o nosso grande gargalo”, explicou.
Segundo ele, é dever do Estado implementar políticas públicas de acesso a direitos sociais, sobretudo trabalho decente, nas comunidades das vítimas em potencial. “O que fazemos diariamente, eu digo Estado, Ministério Público e sociedade civil que combate trabalho escravo, é tentar reverter todos os fatores de vulnerabilidade da população, para que tenhamos o mínimo de exploração. Ou seja, para que a exploração não seja aviltante a ponto de termos que resgatar aqueles trabalhadores de situações que chamamos atualmente de análogas à escrava porque a escravidão já não existe”, disse Cavalcanti.
Na mesma linha, a diretora executiva do Instituto do Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), Marina Ferro, avalia que o período da pandemia de covid-19 levou ao aumento do desemprego e a oportunidades mais precarizadas de trabalho. “Combater o trabalho escravo é também produzir oportunidade e reduzir a desigualdade. Quanto mais você tem desigualdade social, mais fácil vai ficar de precarizar as situações, quanto mais você tira as pessoas da pobreza, da fome e gera oportunidades dignas, menos isso acontece”.
Para ela, a herança escravocrata no Brasil ainda é muito forte, pois com a abolição da escravidão não houve a inserção social de quem vivia nessa condição. “Por isso, continuamos um país muito desigual, que reproduz muita vulnerabilidade e que não trata o ser humano com dignidade, como um par”, afirmou.
As terceirizações, segundo Marina, também são fatores importantes para a precarização do trabalho. “É fator muito sensível para as empresas se anteciparem, prestar atenção e fazer a devida diligência na sua cadeia. Elas precisam olhar a cadeia produtiva, contratos com terceiros e não se eximir dessa responsabilidade. Então, acho que há um papel do Estado no combate ao trabalho escravo e um papel das empresas, que podem antecipar essa questão e evitar que isso aconteça”.
A legislação brasileira atual classifica como trabalho análogo à escravidão toda atividade forçada ou submetida a jornadas exaustivas, ou ainda desenvolvida sob condições degradantes ou com restrição da locomoção do trabalhador. Também é passível de denúncia qualquer caso em que o funcionário seja vigiado constantemente, de forma ostensiva, por seu patrão.
Outra forma de escravidão contemporânea reconhecida no Brasil é a servidão por dívida, que ocorre quando o trabalhador tem seu deslocamento restrito pelo empregador, sob alegação de que deve liquidar determinada quantia de dinheiro.
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Bob Machado, alertou que, ao longo dos últimos anos, houve redução de orçamento e “redução drástica” do número de auditores fiscais do trabalho. Hoje, o país tem o menor número de auditores fiscais dos últimos 33 anos e cerca de 45% dos cargos estão vagos.
“Isso tem impacto direto no combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, na inserção de aprendizes no mercado de trabalho, na inserção de pessoas com deficiência, no combate a fraudes trabalhistas, que visam majoritariamente reduzir a remuneração de trabalhadores, e também a busca por ambiente de trabalho mais seguro, visando à redução de acidentes”, disse Machado. Ele destacou outras atribuições dos auditores que visam à criação de trabalho decente.
Na última semana, o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, informou que pretende promover concurso para recompor o quadro de fiscais do trabalho.
Aumento de casos
Em Goiás e Minas Gerais, um grupo de 212 trabalhadores que prestava serviço a usinas de álcool e produtores de cana de açúcar foi resgatado, durante operação do Grupo Móvel de Combate ao Trabalho Escravo. Na última sexta-feira (24), mais pessoas foram resgatadas, dessa vez no festival de música Lollapalooza, no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Em todos esses casos, os trabalhadores eram contratados por uma empresa de prestação de serviços terceirizados que intermediava a mão de obra.
Desde 1995, as fiscalizações e os resgates de trabalhadores são feitos pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, coordenado por auditores-fiscais do Trabalho, em parceria com o MPT, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições.
Os resgates vêm aumentando nos últimos anos. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), até o início de março, as autoridades resgataram 523 vítimas de trabalho análogo ao escravo. Em 2022, de acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho, 2.575 trabalhadores foram encontrados em situação de escravidão contemporânea, um terço a mais que em 2021.
O MPT e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) também desenvolveram o Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, com dados e informações sobre políticas de trabalho.
O procurador Tiago Cavalcanti destacou que, de acordo com a organização internacional Walk Free Foundation, em 2014 o Brasil tinha cerca de 150 mil pessoas escravizadas. “Os números mais recentes mostram que a gente tem 370 mil, ou seja, mais do que duplicou o número de pessoas escravas, pessoas que estão, na verdade, aguardando resgate”, disse ele, explicando que a média de resgates é de pouco mais de 2 mil trabalhadores por ano.
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