O pesquisador Rodrigo Tobias, da Fiocruz Amazônia, com a cacica Lutana Kokama, presidente da Aimpat, no Parque das TribosIngrid Anne/Fiocruz Amazônia

Brasil - Uma pesquisa inédita no país vai analisar o impacto na saúde dos indígenas que chegam aos grandes centros urbanos e passam a desenvolver, a partir da alimentação, fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão e diabetes. O estudo configura a segunda etapa do projeto 'Manaós: saúde da população indígena em contexto urbano', da Fiocruz Amazônia, feito com 35 etnias que ocupam o Parque das Tribos, o primeiro bairro indígena Manaus.
O Parque das Tribos começou a se formar em 2013, na Zona Oeste de Manaus, e hoje conta com 750 famílias: um total de cerca de 2,5 mil pessoas provenientes de regiões como Alto Rio Negro, Alto Solimões e Baixo Amazonas, das tribos kokama, witoto e munduruku, entre outras. Segundo o pesquisador da Fiocruz Amazônia Rodrigo Tobias, que coordena o projeto, a primeira fase do estudo identificou pelo menos um adulto diabético ou hipertenso nas 450 famílias entrevistadas. Há também casos de obesidade.
"Essas doenças não existem entre os que vivem em aldeias, e isso diz muito sobre os hábitos de vida que esses indígenas passam a adotar nas cidades, onde são impossibilitados de caçar e de produzir os próprios alimentos. Eles deixam de ingerir proteínas, vitaminas e minerais de frutas, verduras e peixes e, como têm baixo poder aquisitivo, passam a consumir alimentos industrializados e ultraprocessados, ricos em sódio, açúcar e gorduras", explica Rodrigo Tobias.
Após a identificação da prevalência dessas doenças, os pesquisadores darão início, em abril, à coleta de dados que constituam um retrato da situação, como peso, altura, aferição de taxa de glicose e de pressão arterial. Para, a partir disso, gerar reflexões sobre a criação de políticas públicas que possam considerar as necessidades de saúde dos indígenas que vivem nas áreas urbanas.
"O projeto pretende, a partir de Manaus, dar voz a este problema, que é antigo e nacional. Quando chegam às áreas urbanas, eles se tornam triplamente invisíveis, pois o sistema de saúde indígena considera apenas os que vivem em aldeias e, como eles se instalam em áreas de vulnerabilidade social, não são alcançados por qualquer política pública. E ainda há a barreira cultural: os agentes públicos não estão preparados para lidar com eles", destaca o pesquisador.
Um exemplo de ação que pode ser implementada a nível nacional é a UBS que está sendo construída na região do Parque das Tribos com atendimento diferenciado para os indígenas. A unidade terá atuação de pajés e espaço para produção de plantas medicinais. A iniciativa foi resultado da primeira etapa do projeto 'Manaós':
"Nós apoiamos a criação da Associação Indígena e de Moradores do Parque das Tribos (Aimpat) e eles articularam a criação dessa unidade com o poder público. Ela pode ser replicada em outras áreas urbanas do país".
Indígenas em áreas urbanas do Rio
O pesquisador Rodrigo Tobias explica que a realidade enfrentada pelos indígenas no Parque das Tribos é verificada em todos os grandes centros urbanos do Brasil. No Rio de Janeiro, ele destaca a presença de povos das etnias guarani, pataxó e tuyuka principalmente na Zona Oeste da capital, em bairros como Campo Grande e Jacarepaguá.
"No Rio, eles vivem de formas mais dispersa, não chegam a formar comunidades como no Parque das Tribos", diz o pesquisador.
A dinâmica de deslocamento, no entanto, é a mesma: "Em geral, migram buscando melhores condições de vida a partir de uma ótica não indígena. É uma parte que quer alcançar as mesmas coisas que o homem branco busca. Mas isso acaba gerando um impacto bastante nocivo na saúde deles".