O ministro da Defesa, José Múcio, durante anúncio de ministros no CCBB BrasíliaMarcelo Camargo/Agência Brasil
Ministro da Defesa contradiz Lula e não vê 'grande líder' do 8 de janeiro
Múcio diverge da posição do presidente sobre coordenação dos ataques golpistas
No mesmo dia em que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada no Congresso iniciou sua fase de depoimentos, o ministro da Defesa, José Múcio, afirmou ontem que não há um "grande líder" responsável pelos ataques golpistas aos prédios públicos dos três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro. A fala de Múcio se opõe a declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista já afirmou que os atos violentos na capital federal foram liderados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Múcio, que participou de uma transmissão, disse ainda que a CPMI é evento "midiático".
O colegiado ouviu ontem o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, que abriu a etapa de oitivas. Em sessão que começou tensa, o policial tentou blindar Bolsonaro da acusação de uso da estrutura da PRF para barrar o trânsito de eleitores na votação em segundo turno da eleição do ano passado
Ao mesmo tempo, fora do Congresso, o ministro da Defesa minimizou a importância da comissão durante discurso em evento virtual do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). "Não acredito que nós vamos encontrar o verdadeiro responsável (pelos atos golpistas de 8 de janeiro). Não vamos porque ninguém mandou. Foram agricultores aqui do Centro-Oeste que financiaram, foram donos de ônibus... É por aí que nós vamos chegar a várias pessoas responsáveis sem ter, assim, um grande líder", disse Múcio.
Diferentemente de seu ministro da Defesa, Lula vê Bolsonaro como "coordenador" de uma tentativa de golpe após a derrota eleitoral Anteontem, o petista reiterou esse posicionamento durante a segunda live "Conversa com o Presidente". "Já está provado que eles tentaram dar um golpe e coordenado pelo ex-presidente, que agora tenta negar. Quando ele perdeu as eleições, ele se trancou dentro de casa para ficar preparando o golpe", afirmou o petista Múcio, por sua vez, afirmou ontem que nenhum "militar da ativa" participou das depredações dos prédios públicos em Brasília.
Instituição
"As pessoas que vieram para a praça no dia 8 não saíram de lá (do quartel), porque lá tinha muito pouca gente. Foi gente de fora estimulada por irresponsáveis, baderneiros, mas não tinha um militar da ativa. Pode ser que nas pessoas físicas havia algumas pessoas que têm o estímulo pelo golpe, por uma afronta à democracia, mas as Forças Armadas não participaram", disse.
O ministro, entretanto, não excluiu a ideia de que, entre os membros das Forças, havia militares favoráveis a uma ruptura. "Algum militar do Exército desejava (o golpe)? Acredito que sim. Algum militar da Marinha desejava? Acredito que sim. Da Aeronáutica? Também acredito que sim. Mas a instituição do Exército, da Marinha e da Aeronáutica por momento nenhum estava com digitais naquele movimento."
Ao comentar a reação parlamentar aos atos golpistas, Múcio apontou motivações eleitorais no Congresso. "Vamos ter essa CPI que vai ser muito mais um movimento midiático. O que mais me preocupa dessa CPI são as sequelas que ela pode deixar na preocupação de parlamentares entusiasmados nas suas bases em ter mais votos; que provoque A ou B para que possa aparecer."
Bate-boca
O primeiro depoimento da comissão precisou ser paralisado por causa de um bate-boca entre a relatora do colegiado, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), e o deputado Éder Mauro (PL-PA). O parlamentar do PL, que não é integrante da CPI, interrompeu Eliziane aos gritos, dizendo que Silvinei não poderia ser pressionado. "Deputado, cale a boca, vá gritar em outro lugar", respondeu a relatora. Antes da discussão, Eliziane havia cobrado respostas mais claras do ex-diretor da PRF.
Investigado pela Justiça do Rio por improbidade ao pedir voto em Bolsonaro no ano passado, Silvinei procurou isentar o ex-presidente e disse que nunca teve "relação íntima" com ele. "Eu nunca utilizei do cargo para benefício eleitoral do presidente", afirmou.
"As fotos que tenho com o presidente Bolsonaro foi porque ele deixou eu tirar e as fotos foram postadas na minha hora de folga", prosseguiu. "Não seria eu que mudaria o resultado da eleição", concluiu o ex-chefe da PRF. Ele se disse vítima da "maior injustiça da história".
No início do depoimento, Silvinei classificou como "crime impossível" o uso das operações para obstruir o processo eleitoral. "Como nós teríamos 13 mil policiais no Brasil explicando a forma criminosa de operar sem ter uma conversa no Telegram, sem ter uma reunião?", questionou.
O policial negou interferência no deslocamento de eleitores e atribuiu as operações na Região Nordeste à estrutura que a corporação dispõe no local.
Convocações
Ainda ontem, a CPI aprovou requerimentos de convocação do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias e de Saulo Moura da Cunha, que atuou como diretor adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). G. Dias deixou o cargo após a divulgação de vídeo em que ele aparece no Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro.
O presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), também incluiu de última hora a convocação do coronel Jean Lawand Júnior, que, em mensagens, defendeu um golpe de Estado.
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