Lula busca articulações políticas que lhe garantam sólida base parlamentar no CongressoReprodução/Twitter
Os primeiros seis meses de mandato de Lula foram de sustos e crises contidas com a interferência do presidente nas articulações. Com um Congresso mais à direita, a cúpula petista encontrou dificuldade em formar uma coalizão, teve derrotas em decretos e quase viu seus ministérios se desfazerem — em claro sinal de desgaste.
“O Executivo percebeu a sua dificuldade no parlamento, dificuldade alertada por diversas vezes pelo presidente da Câmara, Arthur Lira e foi atrás de fazer essas conexões para aumentar essa base”, afirma o cientista político Magno Karl.
“O governo termina o primeiro semestre com uma entrega significativa, foi um teste entre o Executivo e o Parlamento. O que a gente pode ver a partir de agora é uma organização mais orgânica dentro do parlamento, porque apesar de conseguir aprovar pautas importantes, pautas de seu interesse na Câmara e no Senado, o custo em emendas dessas aprovações foi muito alto para o Executivo”, completa.
Para reverter o quadro, Lula mira no PP e no Republicanos, que devem embarcar em ao menos dois ministérios do Palácio do Planalto. Enquanto o partido de Lira quer o Desenvolvimento Social para André Fufuca, o Republicanos está de olho na pasta do Esporte para Silvio Costa Filho.
As negociações devem ser retomadas ainda nesta semana, já que Lula está resistente em liberar as duas pastas. O petista tenta oferecer Portos e Aeroportos e Ciência e Tecnologia para os partidos, mas não descarta uma reorganização ministerial para abarcar as duas legendas.
Para o cientista político Antônio Lavareda, a iminente entrada de novos partidos na base do governo marca a formação de uma "quarta coalizão" desde a posse de Lula e deve trazer boas perspectivas ao governo.
“A primeira foi a formação da chapa com o Alckmin, a segunda a inclusão do MDB e União Brasil no projeto e a terceira o governo de transição. A entrada do Republicanos e Progressistas não deve alterar muita coisa para o governo, já que ambos votaram favoráveis em projetos de interesse. A entrada dos dois dará maior estabilização e talvez até ampliação dentro da bancada”, completa Lavareda.
Se confirmada a entrada de PP e Republicanos, o governo terá 350 deputados para aprovar pautas de interesse do Planalto. Com a base sólida, Lula conseguirá aprovar Propostas de Emenda à Constituição (PEC) sem enfrentar resistências e poderá aumentar sua tropa de choque em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI).
“O Centrão é um campo que se caracteriza por ter ideias específicas e costuma fazer com que os interesses fiquem bastante claros para os governos os quais servem. Então eles dizem qual o ministério, agência, estatal que os interessa. Uma vez que esse interesse seja atendido, eles não costumam causar dificuldades para o governo”, completa.
Embora o governo consiga formar maioria na Câmara e no Senado, a cúpula petista nos bastidores admite preocupação da influência bolsonarista nos partidos. PP e Republicanos fizeram parte da linha de frente no governo Jair Bolsonaro (PL) e têm aliados de primeira ordem do ex-presidente em seus quadros.
Enquanto o PP conta com a senadora Tereza Cristina (MS) e os deputados Evair Vieira de Melo (ES), Clarissa Tércio (PE) e Coronel Telhada (SP) como filiados, o Republicanos tem a senadora Damares Alves (DF) e o presidente da CPI do MST na Câmara, Tenente-Coronel Zucco (RS) em sua base. Nos bastidores, há o receio de que a entrada das legendas no Planalto acabe por aumentar a temperatura bolsonarista e que se tenha uma articulação para manchar a imagem do governo na CPI.
“Essa quarta coalizão, se a gente prestar atenção, traz todo o universo partidário, salvo os segmentos mais bolsonaristas. Ou seja, é uma coalizão que faz todo sentido sobretudo depois do 8 de janeiro com todos esses partidos de direita, mas com perfil mais digamos democrático se solidarizar com o governo, com Executivo e com os outros dois poderes, o próprio Legislativo, Judiciário e repudiando o que ocorreu no oito de janeiro”, afirma Lavareda.
“É uma coalizão que, na verdade, constitui uma frente democrática. Não há como não ser positiva para o governo. Para encarar essa agenda desse segundo semestre, onde você precisa ainda consolidar a questão do arcabouço fiscal, fechar a rotação da reforma tributária. E fazer avançar a agenda Legislativa”, completa.
Deputados veem Lula fortalecido
Ambos os projetos foram aprovados na Câmara, mas devem voltar à Casa após a tramitação no Senado. A ideia do governo é ter as duas propostas aprovadas até o começo de setembro.
Deputados relataram que veem Lula mais fortalecido neste segundo semestre e que tem conseguido controlar a tentativa de Arthur Lira de interferir no governo.
“A minha postura é de independência, alisando projeto a projeto, mas não vejo grandes dificuldades para o governo. Temos pautas importantes para ser votados, como o arcabouço e a Reforma Tributária. É importante ressaltar que nos últimos meses houve uma mudança na relação entre Congresso e governo, em que a Câmara e o Senado ganharam maior protagonismo”, afirma Ricardo Silva (PSD-SP).
“A nossa expectativa é que realmente o segundo semestre, no Legislativo, possa avançar mais, até por conta de que próprio Lula está cuidando das articulações com os partidos de Centro. Devemos aprovar matérias importantes e queremos agilizar a tramitação da LDO e LOA de 2024. Com a abertura de diálogo por parte do presidente Lula, acho que nós teremos um segundo semestre mais favorável ao Governo”, completa André Figueiredo (PDT-CE), líder do maior bloco de partidos na Câmara.
Entretanto, há aliados de Lula e deputados do Centrão resistentes com Alexandre Padilha e acreditam que o ministro de Relações Institucionais não deve durar tanto tempo no cargo. Mesmo que o Lula o defenda, a avaliação dos deputados é que o sucesso por trás da articulação política se deve ao próprio presidente da República e que o atraso na saída de Padilha poderá afetar pautas governistas.
Lula paz e amor
Lula tem sido orientado a segurar as críticas e focar nas pautas econômicas no Congresso Nacional. Pessoas próximas ainda têm alertado que o “combate” vai contra a promessa dele de campanha em pacificar as relações.
O cientista político Magno Karl concorda com aliados de Lula e vê a necessidade de segurar a sinalização aos eleitores mais de esquerda para agradar aqueles mais ao centro, que deram votos ao petista no segundo turno.
“O terceiro mandato de Lula começou de uma forma diferente do que se imaginava. Durante a campanha, nós vimos o candidato Lula paz e amor, que buscava compor com diferentes campos políticos, que buscava sinalizar que o seu mandato seria de pacificação do país, de reconstrução do país, de acabarmos com as brigas políticas, certamente se referindo a divisão que aconteceu no país durante as eleições. Não é isso que nós temos visto”, frisa Karl.
“Apesar da atuação do ministro da Economia, Fernando Haddad, tentando ser uma ponte entre o governo e o setor financeiro, nós vemos Lula bastante combativo, sinalizando bastante para a sua base na esquerda e um pouco menos para os grupos de centro que acabaram o apoiando no segundo turno. Ou seja, havia uma promessa de pacificação que não me parece ser a tônica desse início de mandato. Me parece que Lula faz muito mais gestos a sua base na esquerda do que para outros campos políticos”, completa.
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