Dias Toffoli, ministro do STF Carlos Alves Moura/STF

A decisão da quarta-feira, 6, do ministro José Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou nulas as provas obtidas pelo acordo de leniência firmado entre a Odebrecht e o Ministério Público Federal (MPF) em 2016 no âmbito da Operação Lava Jato, reforçam o argumento para revisar outros acordos de leniência, segundo especialistas ouvidos pelo Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.

Essa revisão, que tramita em outro processo no STF, pode ser benéfica principalmente para empreiteiras condenadas na Lava Jato, que estão hoje em dificuldades financeiras. Algumas delas estão em recuperação judicial. A decisão do ministro também ocorre um mês depois do lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo governo federal, cujo plano é investir R$ 1,7 trilhão em obras pelo Brasil. Como mostrou o Estadão, as construtoras apostam no programa para se reerguer após um jejum de obras públicas.

Para o especialista em direito constitucional Georges Abboud, professor da Pontifícia Universidade Católica de São (PUC-SP), a decisão é positiva tanto para a Odebrecht, atualmente Novonor, quanto para as outras empresas.
"A decisão de Toffoli foi baseada em três grandes pontos: a ilicitude das provas, o conluio entre a acusação e o magistrado e a inexistência de autorização de cooperação da Vara de Curitiba com autoridades internacionais. Esses pontos prejudicaram a companhia lá atrás e, por isso, os acordos devem ser revistos", afirma o professor.

Para Abboud, se as provas são imprestáveis e se houve conluio entre as autoridades, como definiu Toffoli, o acordo de leniência não pode ser mantido em sua inteireza. "Deve haver um tratamento isonômico. Se a prova foi tida como ilícita para os particulares, a companhia deve ter os mesmos direitos probatórios", completa o especialista.

Segundo ele, a decisão de hoje de Toffoli foi a mais completa sobre o assunto. Antes, o STF já havia declarado nulas algumas das provas usadas na Lava Jato. Na decisão de hoje, Toffoli estendeu a nulidade das provas obtidas pela delação da Odebrecht para todas as ações que as usaram e determinou o cumprimento dessa decisão pelos juízos competentes. A decisão de Toffoli pode ser contestada pelas partes e, a partir daí, ser discutida em plenário.

Tendência

De acordo com o advogado e ex-ministro-chefe da CGU Valdir Simão, sócio do escritório de advocacia Warde Advogados, apesar de ainda ser cedo para avaliar os reflexos da decisão de Toffoli, a sentença validou o principal argumento trazido na ação que discute a validade dos acordos de leniência no Supremo, que está sob relatoria do ministro André Mendonça.

"Ao que tudo indica, a decisão reconhece que os acordos feitos com o MPF em determinado período estão contaminados. Feriram princípios importantes do instituto, como a boa fé, a proporcionalidade e a razoabilidade. O estado de coisas inconstitucional de que trata a ADPF [Ação Direta de Preceito Fundamental]", afirmou o ex-ministro.

O advogado Giuseppe Giamundo Neto, sócio do escritório de advocacia Giamundo Neto Advogados, avalia que a decisão "abre espaço para a rediscussão dos termos e da validade dos demais acordos de leniência firmados no âmbito da Lava Jato". "A tendência é que exista, portanto, um efeito cascata que contagiará e obrigará à reavaliação dos acordos", disse. Ele também diz que a decisão fortalece o instituto dos acordos de leniência, instrumentos relativamente recentes no sistema jurídico brasileiro que precisam ser aprimorados.

Esse argumento também foi destacado pela advogada Esther Flesch, sócia do escritório Miguel Neto Advogados, escritório que atua em compliance e em vários acordos de leniência de companhias brasileiras no Brasil e Estados Unidos. Para Esther, os acordos eram novidade até pouco tempo "e costurados sem arcabouço jurídico estruturado".

Na visão da advogada, a decisão de Toffoli não necessariamente invalida o acordo, mas sim as provas obtidas através do acordo. "A decisão mostra um amadurecimento do compliance e toda a prática das colaborações premiadas e acordos de leniência, que devem ser feitos em um ambiente mais amadurecido, sem iniciativas unilaterais", diz.

CGU

Em nota à imprensa na quarta-feira, 6, a Controladoria Geral da União (CGU) disse que ainda não foi intimada da decisão de Toffoli e que avalia as repercussões que ela pode ter no acordo de leniência firmado com a CGU e com a Advocacia Geral da União (AGU) em 2018. O acordo que produziu as provas declaradas nulas hoje por Toffoli foi feito com a empresa e Ministério Público Federal (MPF) em 2016 sem a participação da CGU.

Procurada, a Odebrecht - hoje OEC e Novonor - não quis comentar. Segundo dados da CGU, o acordo da Odebrecht foi no valor de R$ 2,7 bilhões. Deste total, R$ 157,5 milhões foram pagos.