Ana Moser, ex-ministra dos EsportesWilson Dias/Agência Brasil
Ana Moser revela que a primeira-dama Janja da Silva disse a ela, após a demissão, "sentir muito pelo processo". A partir da semana que vem, o Ministério do Esporte será ocupado pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA), que foi vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara e votou no ex-presidente na última eleição.
A ministra demissionária, contudo, evita criticar o presidente Lula e diz que sua saída do cargo não pode ser atribuída apenas ao presidente porque é resultado de um contexto político. "A articulação política não é desejo, é o que é dado". E afirma que não se arrependeu de ter trabalhado pela eleição do petista. "Pelo amor de Deus. Isso não existe."
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foi a reunião com o presidente Lula na quarta-feira, dia 6, no Palácio da Alvorada? A sra. pode detalhar um pouco? O que Lula disse exatamente?
Foi uma reunião em dois dias, na terça e na quarta. E o que o presidente (Lula) falou (na terça) foi o que se falou ‘para fora’, que a gente sabe. Que já vinham há meses fazendo a negociação para a entrada destes dois novos partidos; que foram tentadas várias soluções, e que no fim teve que fazer essa escolha pela troca no Ministério do Esporte.
E como foi quando ele fez esse anúncio para a senhora?
Foi normal, né? Uma reunião normal. Eu estava sentada, ele estava sentado, numa mesa. Não teve um roteiro dramático. Foi o que era sabido.
A senhora considera que o processo de demissão conduzido pelo governo foi respeitoso? A senhora e sua equipe se sentiram expostas?
O comando da política é feito pelo Palácio do Planalto. É um tempo das conversas deles. Não tenho como entender quais são os processos, ou acompanhar qual é o ritmo das negociações que são feitas pelo Planalto. A articulação política não é a nossa função. Enquanto isso tudo vinha acontecendo, (e nós ficávamos sabendo pelo que) saía na imprensa, porque essas conversas não chegavam até nós, nós continuamos trabalhando, porque era o que se tinha para fazer.
Mas a senhora esperava que fosse conduzido de uma outra forma, ou isso não é uma questão? A senhora não está pessoalmente magoada?
Acho que isso não é uma questão, né? Mais uma vez, a política está sendo feita, e nós estamos no ministério fazendo política pública de esporte. Acho que é assim que deve ser mesmo.
Toda a equipe da senhora saiu junto do Ministério? A pasta vai ser entregue "de porteira fechada", como dizem? Como fica agora a gestão da política pública do esporte?
Essa estruturação vai ser feita nos próximos dias. Na semana que vem, por causa desse feriado (da Independência, em 7 de setembro). O processo de transição normalmente é da equipe, né? Isso já está encaminhado, mas ainda não começou.
A senhora acredita que é um bom movimento colocar a regulação das casas de apostas online, as chamadas "bets" no Ministério do Esporte? A eventual arrecadação pode ajudar a impulsionar o esporte brasileiro?
A regulamentação das "bets" e dos sites de apostas é algo que vem sendo discutido desde o começo do ano, e o debate que vem sendo feito dentro do governo (envolve) especialmente Fazenda, Justiça e Esporte, além da Controladoria-Geral da União (CGU). Esta medida provisória que está no Congresso é resultado dessa construção. É uma conquista desta equipe, exatamente porque se defendeu que parte do recurso desta tributação deve ser direcionado ao esporte, para a construção das políticas públicas de esporte. O que está acontecendo agora é resultado do trabalho desta gestão.
Mas a sra. acha que a Secretaria Nacional das Apostas (a ser criada) deveria ficar com a Fazenda ou com o Esporte?
Acho que cabe ao governo decidir isso.
O que a senhora pensa para o seu futuro profissional? Há relatos de que a senhora poderia assumir um novo cargo no governo, como a Autoridade Olímpica, a ser criada.
Não existe Autoridade Olímpica. Essa gestão é feita pelo Comitê Olímpico Internacional. Em primeiro lugar, eu não tenho interesse, o convite foi para ser ministra do Esporte. A partir do momento em que houve essa mudança, qualquer coisa é uma outra coisa. A questão dessa proposta, que nem foi proposta, que na verdade eu ouvi pela imprensa, não tem muito fundamento. O meu interesse nunca foi o esporte olímpico. Tenho mais de 20 anos de trabalho na área social com o esporte para todos. Qualquer outra coisa não está colocada agora.
A primeira-dama Janja disse que "não estava feliz" com a sua saída do governo. A sra. chegou a falar com ela? Sentiu que houve sororidade, isto é, solidariedade, das colegas mulheres do governo?
Conversei com a Janja, com ministras e ministros. Publicamente, algumas ministras se pronunciaram, como Cida (Gonçalves, das Mulheres), Anielle (Franco, da Igualdade Racial), Esther (Dweck, da Gestão). A ministra Marina (Silva, do Meio Ambiente) me ligou várias vezes nesse processo. Existe essa sororidade. Todo esse jogo de poder é mais complicado para as mulheres, a dinâmica do poder é masculina. As decisões, mesmo com a participação de mulheres, ainda são tomadas por homens. Mesmo com número recorde que se colocou no início do governo, não é algo simplesmente posto, é construído.
Como foi a conversa com Janja?
Da mesma forma que as outras, (disse) sentir muito pelo processo. Entramos para entrar e concluir esse processo. Política é uma negociação, se entende os porquês e quais os fins, os objetivos. Mas não se deixa de lamentar os processos e os meios. Então, isso tudo faz parte.
Na campanha, Lula chegou a dizer que o Esporte não seria "moeda de troca". Ele quebrou uma promessa?
Eu acho que não tem como isolar a questão no presidente Lula. O contexto político se coloca de uma maneira que aquilo que se visualizava no início do ano não continuou. Agora, o momento é outro. Tenho certeza que a vontade do presidente Lula era dar continuidade a este trabalho. Vai ter que dar continuidade de outra maneira, porque a política impõe. A política é feita de avanços em maior ou menos velocidade, mas sempre buscando avançar.
Como a senhora avalia o trabalho feito nestes nove meses? Que iniciativas te deram mais orgulho, qual foi a sua marca no ministério?
A marca foi trazer a dimensão do esporte para todos, buscar caminhos para ampliar o esporte para além do alto rendimento, que trabalha com menos de 5% da população. A marca foi trazer o conceito de que esporte e atividade física têm que ser amplos, democráticos, intersetoriais, e também buscar meios de alcançar escala e chegar aos municípios. Foi uma prioridade.
Se fosse dar nota de 0 a 10 para sua gestão, qual daria?
Não vou dar 10, porque eu não sou 10. Mas com certeza um 8 alto ou 9.
No programa de governo de Lula, consta a necessidade de "democratização e descentralização do acesso ao esporte". Isso é compatível com trocar o ministério por governabilidade?
A articulação política não é desejo, é o que é dado. Claro, tem um desejo de mundo ideal. Especialmente eu tenho a característica de buscar a utopia, com resiliência e com firmeza Esse é o mundo que estamos, e vamos buscar construir mais. Olhando de fora e com perspectiva de minha posição de mulher, tenho a impressão que, quanto mais mulheres estiverem participando de momentos de decisão, dessas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão.
A senhora se arrepende de ter apoiado o presidente Lula na campanha?
Claro que não. Imagina. Pelo amor de Deus. Isso não existe.
A sra. pensa em entrar para a política eleitoral?
Foi anunciada a minha saída do ministério anteontem. Não tem decisão de nada de futuro. Por enquanto, estamos fechando esse processo. Depois, vou pensar.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.