O governo brasileiro decidiu chamar de volta ao país o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, nesta segunda-feira, 19. Ele deve chegar ao Brasil na próxima quarta-feira, 21, e passará cerca de dez dias. A convocação acontece após a repercussão de uma fala do presidente Lula, que acusou o Exército israelense de conduzir um genocídio em Gaza e comparar suas ações ao Holocausto contra os judeus durante o regime nazista de Adolf Hitler.
O diplomata participou de uma reunião nesta segunda com o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, no Museu do Holocausto, em Jerusalém. Em seus perfis nas redes sociais, Katz criticou a fala de Lula e disse que o presidente brasileiro é uma "persona non grata" até que peça desculpas.
"Nós não perdoaremos e não esqueceremos – em meu nome e em nome dos cidadãos de Israel, informei ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que se desculpe e se retrate por suas palavras", postou Katz.
O embaixador foi colocado no que integrantes do governo consideraram uma espécie de "armadilha". Ele não fala nem compreende hebraico, e ficou exposto diante das câmeras, sem poder esboçar reação, enquanto ao seu lado o chanceler israelense, Israel Katz, declarava à imprensa sobre Lula.
O Itamaraty já estava incomodado com o método da reprimenda escolhido pela chancelaria israelense. Em vez de uma reunião mais reservada na sede do Ministério das Relações Exteriores, como costuma ser o padrão diplomático, o governo de Netanyahu marcou um encontro no Yad Vashem, um memorial do Holocausto. Diplomatas da Secretaria de Estado consideraram que foi montado um "circo" e que o representante do presidente foi "humilhado" com a situação.
No memorial, o embaixador brasileiro ouviu as queixas dos israelenses, voltou a manifestar as preocupações do governo brasileiro, mas não fez comentários a respeito das falas do presidente. Não repassou nenhum recado de mea culpa por parte de Lula, o que já indicava a indisposição do petista de pedir desculpas.
Em privado, diplomatas reconhecem que o presidente exagerou e errou ao fazer a comparação com o Holocausto. No entanto, diplomatas no Itamaraty e assessores palacianos indicavam, ao longo do dia, que Lula relutava em estender um pedido de desculpas, como exigiu em público o governo de Israel.
O entendimento no governo é que Israel estava "instrumentalizando" o caso e havia "escalado" a crise propositalmente, no momento em que carece de apoio internacional e que Netanyahu sofre pressão interna e externa, além de críticas até de governos aliados no Ocidente.
Em meio à crise diplomática com o governo de Israel, Lula se reuniu no Palácio da Alvorada com o assessor especial da presidência Celso Amorim, ministros e auxiliares. Após a reunião, o ministro Pimenta, que já havia saído em defesa do presidente no fim de semana, disse que o ministro Mauro Vieira seria o designado para se pronunciar sobre o assunto.
No entanto, a primeira-dama Janja da Silva, no entanto, foi às redes sociais e voltou à carga contra Israel, ao defender o petista, mais um indício de que não há ainda distensão da crise diplomática. "A fala se referiu ao governo genocida e não ao povo judeu. Sejamos honestos nas análises", disse ela.
Discurso polêmico
Lula fez a declaração durante entrevistas a jornalistas no hotel onde estava hospedado em Adis Abeba, capital da Etiópia. Lá, o presidente cumpriu seu último dia de compromissos oficiais na África.
O chefe do Executivo discursou durante a abertura da cúpula da União Africana: 'Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus", disse o presidente brasileiro.
No pronunciamento, o presidente do Brasil ainda cobrou a ajuda humanitária do "mundo rico". "Qual é o tamanho da consciência política dessa gente e qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio?".
As declarações de Lula também provocaram a reação do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Ele usou as redes sociais para endossar a convocação do embaixador do Brasil em Tel Aviv. "Comparar Israel ao Holocausto nazista de Hitler é cruzar a linha vermelha", escreveu o primeiro-ministro.
A guerra no enclave palestino começou no dia 7 de outubro do ano passado, quando terroristas do Hamas invadiram o território israelense, mataram 1.200 pessoas e sequestraram 240. A ação é considerada o pior ataque contra judeus desde o Holocausto e o pior ataque terrorista da história de Israel.
Depois dos atos do Hamas, Tel-Aviv iniciou uma operação na Faixa de Gaza, com bombardeios aéreos e invasão terrestre, que resultaram na morte de mais de 29 mil palestinos, segundo o ministério da Saúde de Gaza, que é controlado pelo grupo terrorista Hamas.
Relação com Israel
Desde o início da guerra, a relação entre o governo Lula e Israel vem sendo marcada por diversas rusgas, como quando o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, participou de uma reunião na Câmara dos Deputados em que o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro também compareceu. A demora pela liberação da saída de brasileiros que estavam na Faixa de Gaza também azedou a relação entre Brasília e Tel-Aviv.
As relações entre Brasília e Tel-Aviv eram melhores no governo de Jair Bolsonaro, que chegou a viajar a Israel. Netanyahu também viajou ao Brasil para participar da posse do ex-presidente em 2019.
No governo Dilma Rousseff, Israel chegou a chamar o Brasil de "anão diplomático" depois que a ex-presidente chamou o então embaixador brasileiro em Tel-Aviv para consultas em 2014, em meio a uma guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas. "Essa é uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático", apontou Tel-Aviv na época.
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