Governador do Acre, Gladson CameliMarcos Brandão/Agência Senado

Uma semana depois que o Superior Tribunal de Justiça colocou o governador do Acre Gladson Cameli (PP) no banco dos réus por corrupção, a Polícia Federal voltou a requerer à Corte a imposição de medidas cautelares a vários alvos da Operação Ptolomeu - investigação sobre suposto esquema de propinas instalado na cúpula do governo acreano.

Cameli virou réu no Superior Tribunal de Justiça no último dia 15. Ele nega enfaticamente ligação com o grupo investigado na Operação Ptolomeu.

Em relatório de 172 páginas levado ao STJ, a PF aponta 'elementos concretos que indicam possível reorganização' da quadrilha que seria ligada a Cameli. Para os investigadores, o caso que levou à abertura de ação penal em que Cameli figura como um dos denunciados foi apenas o 'início do esquema de malversação de recursos públicos inaugurado pelo governador'.

Os investigadores destacam a necessidade de não só prorrogar as cautelares diversas da prisão já fixadas pelo STJ, mas também 'recalibrar' o alcance dessas medidas considerando indícios de que os suspeitos de envolvimento com fraudes na gestão Cameli estão usando subterfúgios para contornar as proibições decretadas pela Corte.

A PF identificou um aliado de Cameli que foi afastado do cargo em uma autarquia estadual, mas fechou contrato milionário com o governo do Acre em fevereiro.

O relatório também dá ênfase a quadros próximos do chefe do Executivo que foram lotados como 'comissionados', a partir de janeiro de 2024, em uma espécie de gabinete fantasma na Assembleia Legislativa do Acre - esse grupo se teria 'instalado' no antigo gabinete do ex-deputado Eduardo Farias, que já deixou a Casa em 2015.

A Polícia Federal pontua que recentes relatórios da investigação não só confirmam as hipóteses sob apuração, mas 'pintam um quadro dramático de risco à ordem pública acreana'.

As empresas na mira da Operação Ptolomeu receberam, até a abertura da fase ostensiva das investigações, mais de R$ 270 milhões dos cofres públicos.

Os investigadores querem que o STJ renove medidas diversas da prisão: suspensão do exercício da função pública (31 investigados); suspensão do exercício de atividade de natureza econômica (15); proibição de acesso ou frequência a órgãos públicos estaduais (57); proibição de deixar o país (57).

A PF narra a 'prática de atos contemporâneos' por parte dos investigados e sustenta que o recebimento da denúncia contra Cameli 'ratifica a presença de robustos elementos de autoria e materialidade' de uma organização criminosa.

A ação penal aberta no último dia 15, na qual o governador é apontado como o principal envolvido, tem relação com o que a PF chama de 'case Murano', referência a uma empresa alvo da Ptolomeu, que, segundo a PF, recebeu R$ 18 milhões do Tesouro estadual.

A denúncia da Procuradoria-Geral da República foi levada ao STJ em novembro de 2023. Os investigadores sustentam que o 'case Murano' representa, cronologicamente, 'início do esquema de malversação de recursos públicos inaugurado pelo governador em benefício próprio e de sua família'.

Eles ressaltam que o esquema não se encerrou após o final da execução do contrato com a Murano e que diversas companhias substituíram a empresa na 'engrenagem' da organização criminosa sob suspeita.

Entre os novos achados da investigação a partir de buscas realizadas no âmbito da Ptolomeu com autorização da ministra Nancy Andrighi, do STJ. a Polícia Federal destaca 'fato gravíssimo' relacionado a um dos investigados, o ex-presidente do Departamento Nacional Estradas Rodagem (Deracre) Petrônio Antunes, que também é sócio de uma empresa alvo de duas outras frentes de apuração da operação - uma sobre supostos desvios na duplicação da AC-407 e outra sobre irregularidades na construção do contorno viário de Brasiléia, na fronteira do Acre com a Bolívia.

Segundo o relatório da PF, Petrônio Antunes - apontado como integrante do núcleo político da quadrilha investigada na Ptolomeu - era o chefe da autarquia responsável por dois dos maiores contratos de engenharia civil do Estado do Acre durante a gestão Cameli. O empresário foi beneficiado com um contrato milionário assinado com o Estado no dia 21 de fevereiro - posterior ao seu afastamento da autarquia.

Os investigadores destacam que Petrônio não tinha sido alvo de proibição de contratação com o poder público e aproveitou a brecha para contratar com o Estado do Acre - uma 'avença que já nasceu com o alerta máximo de suspeita', segundo a PF.

A corporação diz que o caso indica o uso de manobras para contornar as cautelares impostas pela ministra do STJ.

Nesse mesmo contexto, a PF destacou novas provas reunidas na Operação Ptolomeu sobre a suposta burla à cautelar de afastamento do Poder Executivo com a nomeação de diversos investigados em cargos comissionados da Assembleia Legislativa do Acre e do Tribunal de Contas do Estado.

Como mostrou o Estadão, a maioria das nomeações ocorreu em janeiro de 2024 e beneficiou aliados do governador que foram lotados em uma espécie de gabinete fantasma de um ex-deputado, Eduardo Farias, que encerrou seu mandato em 2015. Um investigado, tio de Cameli, teria salário de R$ 23 mil, de acordo com os investigadores.

"Utilizando-se de sua ampla base parlamentar, não é devaneio cogitar que o governador Gladson Cameli, réu na Ação Penal 1475/DF, tenha influenciado diversos deputados estaduais a nomearem investigados em seus gabinetes. Ademais, por qual razão um deputado estaria nomeando servidores que foram afastados de seus cargos na administração pública acreana por suspeitas de cometimento de graves crimes (corrupção, lavagem de capitais, organização criminosa, etc)?", questiona a PF.

"É bastante evidente que a influência e poder do governador, que comanda orçamento bilionário e possui centenas de cargos para distribuir, pode interferir indiretamente nas nomeações junto à Assembleia Legislativa do Acre e outros órgãos, mesmo que o ato de provimento não seja por ele assinado", segue o relatório.

'Fiscalizador da própria empresa'

A PF assinala a proximidade de Petrônio e a família Cameli. De acordo com a PF, a empresa de engenharia do investigado foi responsável pela construção da mansão do governador em Rio Branco, 'obra cercada de robustos indícios de ser financiada com dinheiro público desviado dos cofres públicos'.

Nos inquéritos que têm Petrônio na mira, a PF aponta indícios de superfaturamento e sobrepreço, além de suspeitas de ajuste prévio na licitação da obra. Em um caso, a PF cita 'fato absurdo': Petrônio, presidente do Deracre, 'foi subcontratado pela empresa contratada pela própria autarquia que presidia (CZS Engenharia, titularizada pelo primo de Gladson), para prestar serviços no bojo do contrato 4.20.149A (anel viário de Brasiléia)'.

Ainda de acordo com os investigadores, a CZS teria pago mais de R$ 10 mil à empresa de Petrônio em razão da locação de caminhão basculante na obra do Anel Viário de Brasiléia.

"Ora, qual a isenção que Petrônio teria para fiscalizar a execução de serviços realizados pela sua própria empresa? É possível, ademais, que o documento seja mero engodo utilizado para o pagamento de vantagem indevida à Petrônio. De um modo ou de outro, a investigação revela trama absurda entre investigados, que justifica a prorrogação das cautelares", insiste a PF.

Com a palavra, o governador
O governador Gladson Cameli respeita a independência dos poderes e, portanto, não tem qualquer responsabilidade em nomeações da Assembleia Legislativa.

É importante esclarecer também que não cabe ao governo acompanhar a carreira de ex-servidores que deixam o Estado para ocupar funções em outras instituições ou na iniciativa privada.

COM A PALAVRA, A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ACRE

"A Assembleia Legislativa do Estado do Acre vem a público esclarecer o equívoco noticiado por alguns veículos de comunicação acerca de nomeações em unidade administrativa inexistente na atual legislatura, denominada erroneamente: "Gabinete do Ex-deputado Eduardo Farias".

Em face ao exposto, é importante esclarecer que todas as nomeações ocorridas a partir de fevereiro de 2023 na Assembleia Legislativa do Estado do Acre, se deram em unidades administrativas e em gabinetes parlamentares que compõem a atual legislatura e devidamente cadastradas no sistema de gestão de pessoas desta Casa de leis e devidamente informadas à Receita Federal e ao eSocial.

Todavia, no que concerne ao cadastramento das informações no Sistema de Controle de Atos de Pessoal - SICAP do Tribunal de Contas do Estado do Acre - TCE/AC, foi identificada uma falha na comunicação entre o sistema de gestão de pessoas desta Casa Legislativa e o Sistema do Tribunal de Contas do Estado do Acre, fazendo com que todas as informações enviadas pela ALEAC ao serem recepcionadas pelo SICAP, fossem enquadradas em unidade de lotação diversa da constante no sistema de gestão de pessoas deste Poder, criando uma divergência de dados entre os dois sistemas.

Em reunião na manhã desta segunda-feira (27/05/2024) entre as equipes técnicas da ALEAC e do TCE/AC, já foram identificadas as falhas e suas causas, bem como as medidas administrativas e técnicas para a solução do problema, medidas estas que já estão sendo adotadas.

Ao mesmo tempo a ALEAC se solidariza com ex- deputado Eduardo Farias, que teve o nome citado não por esta Casa de Leis, mas pela instituição que elaborou o relatório. A mesa diretora manifesta total apoio ao ex- parlamentar que desempenhou um brilhante mandato quando esteve no parlamento estadual.

A Assembleia Legislativa do Estado do Acre atua com transparência e autonomia, honrando sua histórica vocação de concretizar a Democracia. Razão pela qual, como Casa do Povo, coloca-se à disposição da sociedade e dos órgãos legalmente constituídos para qualquer esclarecimento necessário."

Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou contato com a defesa do empresário Petrônio Antunes, mas sem sucesso. O espaço está aberto para sua manifestação.