Imagem computadorizada do coronavírusReprodução
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: O grupo Médicos Pela Vida, associação criada na pandemia que defende "tratamento precoce" e medicamentos como a hidroxicloroquina contra a covid-19, se baseia em um estudo não revisado por pares para afirmar que "miocardite e pericardite ocorrem apenas em vacinados". Um post no X publicado no perfil deles sugere uma conclusão abrangente que não condiz com a literatura científica publicada até o momento sobre o tema.
A afirmação enganosa destaca uma frase do estudo, que diz que "entre adolescentes e crianças, miocardite e pericardite foram documentadas apenas nos grupos vacinados". O estudo em questão, que analisou dados de mais de um milhão de crianças e adolescentes, observou que essas ocorrências foram muito raras.
Ao Comprova, Edward Parker e William J. Hulme, dois pesquisadores envolvidos no estudo, afirmaram que suas conclusões foram distorcidas pelo Médicos Pela Vida. Parker acrescentou que não foi estabelecida relação de causalidade entre as enfermidades e as vacinas.
Além disso, o estudo é um preprint, ou seja, não foi revisado por pares, processo exigido para validação e posterior publicação em revista científica de referência.
O texto também engana ao afirmar que o Ministério da Saúde espalha desinformação ao dizer que "quem se vacinou contra covid-19 tem menos chance de desenvolver miocardite". A declaração do órgão tem respaldo em, pelo menos, dois estudos revisados por pares. Um deles foi publicado pela editora Frontiers e mostra que o risco de miocardite é mais de sete vezes maior em pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 do que naquelas que receberam a vacina. Foram analisados dados de 58 milhões de pessoas.
Outro estudo publicado pela revista Circulation, da Associação Americana do Coração, mostrou que o risco de miocardite é maior após infecção por SARS-CoV-2 em indivíduos não vacinados do que após a vacinação. Neste, foram observados 43 milhões de casos.
Ao Comprova, o autor do post investigado reforçou os argumentos defendidos no artigo publicado no site Médicos Pela Vida e a crítica ao Ministério da Saúde.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de junho, o post tinha 87,7 mil visualizações, 4 mil curtidas, 2 mil compartilhamentos e 117 comentários.
Fontes que consultamos: Estudos científicos revisados por pares, os autores do preprint, o virologista Flávio Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o estudo mencionado pelo Médicos Pela Vida e checagens anteriores do Comprova sobre o tema. Fonseca indicou os estudos apresentados nesta verificação.
Casos são raros, como o próprio preprint destaca
"Geralmente os casos são leves e os indivíduos tendem a se recuperar dentro de um curto período de tempo após o tratamento padrão e repouso", diz a bula do medicamento.
O próprio estudo destaca que, no universo analisado, os casos de miocardite e pericardite foram raros, sem registro de mortes. "Embora raros, todos os eventos de miocardite e pericardite durante o período do estudo ocorreram em indivíduos vacinados: não houve mortes após miocardite ou pericardite", diz trecho do estudo, na seção 'Discussão'. Mais acima, é relatada a proporção de 27 e 10 casos por milhão de miocardite e pericardite, respectivamente.
O estudo é um preprint, ou seja, não foi revisado por pares e, portanto, como consta na publicação, não deve ser usado para orientar a prática clínica. Além disso, ele não tem o objetivo de analisar ocorrência de miocardite em infectados por covid-19 versus vacinados, mas sim a efetividade da vacinação em crianças e adolescentes. "A observação de miocardites é apenas um achado exploratório", diz o virologista Flávio Fonseca.
Autores do estudo dizem que conclusões foram distorcidas
"O número pequeno de casos de miocardite/pericardite ocorreu em indivíduos vacinados. No entanto, avaliar a causalidade é muito desafiador, pois existem outras explicações possíveis para o registro desses casos. Por exemplo, as vacinações em nosso estudo ocorreram após a miocardite e a pericardite terem sido discutidas na mídia, então essa maior conscientização pode ter causado diferentes padrões de comportamento de busca por saúde e diagnóstico após a vacinação", afirma Edward Parker, professor assistente na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres (LSHTM).
Ele reforça que a pericardite e miocardite foram muito raras tanto em crianças quanto em adolescentes no estudo. "Também vale mencionar que entre os adolescentes em nosso estudo, a vacinação foi associada a uma redução nas internações e hospitalizações por covid, apoiando os efeitos protetores da vacinação como um todo", destaca.
Já William J. Hulme, da Divisão de Ciências Médicas da Universidade de Oxford, explica que não é possível dizer, a partir do estudo, que o risco de miocardite pós-vacinação é maior em comparação com o risco de miocardite após a infecção pelo coronavírus.
"A nossa é uma análise observacional, e sempre há a possibilidade de confundimento não mensurado e outros vieses. No entanto, nós nos propusemos a responder à pergunta 'a vacinação em crianças reduz a ocorrência de eventos relacionados à covid, e ela aumenta a ocorrência de certos eventos adversos?'".
"Embora não tenhamos identificado nenhum caso de miocardite ou pericardite no grupo não vacinado, isso não significa que nenhum ocorreu em todas as crianças não vacinadas, pois incluímos apenas crianças não vacinadas que foram pareadas com crianças vacinadas em nossa análise", avalia.
Miocardite: incidência em infectados por covid-19 é sete vezes maior do que em vacinados
O estudo Myocarditis in SARS-CoV-2 infection vs. COVID-19 vaccination: A systematic review and meta-analysis, publicado pela editora científica Frontiers, mostra que o risco de miocardite é mais de sete vezes maior em pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 do que naquelas que receberam a vacina. "Estes achados apoiam a continuidade do uso das vacinas de mRNA contra a COVID-19 entre todas as pessoas elegíveis conforme as recomendações do CDC e da OMS", conclui o estudo.
Os autores conduziram uma revisão sistemática de 22 estudos publicados em diferentes países, com um total de 58 milhões de participantes. O estudo foi repercutido no site da Universidade da Pensilvânia.
Publicado no jornal Circulation, da Associação Americana do Coração (American Heart Association), o estudo Risk of Myocarditis After Sequential Doses of COVID-19 Vaccine and SARS-CoV-2 Infection by Age and Sex analisou dados de 43 milhões de pessoas na Inglaterra e mostrou que "o risco de miocardite é substancialmente maior após infecção por SARS-CoV-2 em indivíduos não vacinados do que o risco observado após uma primeira dose da vacina ChAdOx1nCoV-19, e uma primeira, segunda ou dose de reforço da vacina BNT162b2". O estudo é citado no tuíte do Ministério da Saúde.
Em outro estudo (One-Year Risk of Myocarditis After COVID-19 Infection: A Systematic Review and Meta-analysis), que analisou casos de mais de 20 milhões de pessoas, constam os seguintes dados: miocardite ocorreu em cerca de 0,2 a cada 1000 pacientes que tiveram e sobreviveram à infecção por covid-19. Ou seja, 200 casos por milhão. Já a miocardite como complicação rara das vacinações de mRNA tem uma incidência estimada de cerca de 12,6 casos por milhão de aplicações da segunda dose da vacina de mRNA.
Portanto, a incidência da miocardite em vacinados é mais de 10 vezes menor do que em pessoas infectadas por covid-19.
Miocardite como consequências da covid
Para o virologista Flávio Fonseca, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o argumento analisado nesta checagem não se sustenta diante das evidências científicas já publicadas:
"O argumento forte é o do Ministério da Saúde, que se baseia numa série de estudos publicados em revistas importantes como a Frontiers, que indicam que o risco de miocardite em pessoas que se infectam com o vírus é maior do que o risco em pessoas vacinadas, independente dessas pessoas vacinadas terem ou não covid-19 no futuro", diz Fonseca. "O Ministério está correto em sua afirmação, enquanto o grupo de médicos (Médicos Pela Vida) pinçou uma frase solta dentro de um artigo não revisado por pares para embasar seu argumento. O argumento forte continua sendo o do Ministério, enquanto que o do grupo de médicos é fraco e facilmente derrubável, digamos assim".
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: As vacinas contra a covid-19 são alvo frequente de peças de desinformação. O Comprova já mostrou que a proteção oferecida por elas supera o risco de miocardite em crianças, que não é necessário detox de proteína dos imunizantes e que é enganosa a montagem em que uma deputada associa miocardite de jogador à vacinação. Também mostrou que é falsa a alegação de que a OMS teria admitido que bebês de mães vacinadas estariam nascendo com problemas no coração.
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