Fachada do Museu do Índio, em Botafogo, Zona Sul do RioReprodução Google Maps

Rio - Peças indígenas brasileiras que estavam há mais de 20 anos na França retornaram este mês ao Brasil. Ao todo são 585 artefatos, entre máscaras, cocares, mantos, adereços, instrumentos musicais, cestarias, armas, esculturas e outros itens etnográficos, provenientes de mais de 50 etnias brasileiras.

Os bens foram adquiridos em 2003 e levados ao Museu de História Natural e Etnografia da cidade de Lille, na França, sem seguir os trâmites legais. Após diversas tratativas com as autoridades francesas e a instauração de um inquérito civil público no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF), parte das peças retornou ao Brasil no último dia 10.
"O valor da coleção vai muito além do financeiro, dada a importância que representa para a proteção do patrimônio cultural e histórico do Brasil”, aponta o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, que desde o início atua no caso.

As peças agora vão integrar o acervo do Museu do Índio, vinculado à Funai, em Botafogo, Zona Sul do Rio, onde será verificado o seu estado em comparação com os relatórios emitidos quando os objetos saíram da França. A ideia é que elas sejam exibidas ao público, mas antes devem passar por um período de quarentena, para evitar possíveis contaminações, como é de praxe com acervos museológicos.

Entenda o caso
Os artefatos foram adquiridos em 2003 por representantes do museu de Lille em uma loja em São Paulo, que não tinha autorização para comercializar esse tipo de bem. Entre os itens etnográficos, há adornos Kayapó e Enawenê-Nawê - considerados raros ou inexistentes nas coleções brasileiras -, além de objetos Araweté como chocalhos, arcos e brincos emplumados produzidos a partir das penas do anambé azul e da arara vermelha. Os bens são protegidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites), de 1973.

A solução encontrada à época pelas autoridades francesas foi a doação do acervo ao Museu do Índio, seguida da assinatura, em novembro de 2004, de um contrato de comodato com prazo de cinco anos, renovável por igual período, autorizando o museu francês a exibir a coleção. Após esse prazo, o acordo previa que a prefeitura de Lille arcaria integralmente com os custos de transporte, seguro e devolução do acervo.

Como o contrato não foi cumprido, o MPF instaurou inquérito civil público em 2015 para obter o retorno dos artefatos. Em dez anos, foram inúmeras reuniões e trocas de comunicações entre o MPF, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o museu francês para negociar a repatriação do acervo.
Ao final, o museu francês disse que não arcaria com os custos do retorno, que incluíam transporte, despacho e seguro das peças. A Funai, então, assumiu a responsabilidade de trazer as peças de volta, e os itens finalmente aportaram no Brasil, onde aguardam a liberação aduaneira e o prazo de quarentena, para finalmente serem apresentadas.