Proclamação da República completa 135 anos neste 15 de novembroPixabay

Rio - A Proclamação da República completa 135 anos nesta sexta-feira (15),mas o Brasil ainda tem muitos desafios para vivenciar ideais republicanos, apontam historiadores. Concretizado em 1889, o movimento simbolizou não apenas o rompimento com a monarquia, mas também uma mudança na forma de governar. Entre os fatores para sua implementação estão o fato de Dom Pedro II ter perdido o apoio da elite latifundiária por conta da abolição da escravatura, a insatisfação dos militares que se sentiam desprestigiados após a Guerra do Paraguai e a ligação do imperador com a maçonaria, o que era reprovado pela Igreja Católica. Estes três pontos foram cruciais para a efetivação do novo modelo de governo.

Entretanto, um ponto curioso de nossa história é que o movimento não contou com a participação popular. Mas, sim, foi uma iniciativa fomentada pelas elites.
“José Murilo de Carvalho, em seu livro ‘Bestializados’, que aborda esse evento e seus desdobramentos, nos conta que a população estava alienada a esse momento. Para muitas pessoas ali, [o momento da proclamação em si] era um desfile dos militares. No meu ponto de vista de historiador, nós precisamos entender de que população estamos falando. Existem dois ‘Brasis’. Existe o Brasil que está a margem, de uma etnia que viveu escravizada por aproximadamente 400 anos e essa etnia um ano antes desse evento de ruptura ainda estava escravizada. Logo, esse Brasil marginalizado de fato não tem nenhum tipo de participação na Proclamação da República, pois boa parte dos que desejavam essa proclamação eram seus algozes”, explica o professor de História Rafael Ribeiro Bollis.
O professor de História Rafael Ribeiro Bollis - Arquivo pessoal
O professor de História Rafael Ribeiro BollisArquivo pessoal
Alessandro Costa, cientista político e professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (Ceub), frisa que a mudança de regime governamental não alterou substancialmente a estrutura econômica do Brasil, na qual os mais pobres da sociedade, principalmente ex-escravos e seus descendentes, permaneceram na base da pirâmide. Já as camadas mais altas, que formavam oligarquias locais, foram as principais beneficiárias no início do novo regime, assumindo o controle da máquina pública e agindo em benefício de seus próprios interesses.

"Ao longo do tempo, o sistema republicano amadureceu e gradualmente incluiu a população na rede de cidadãos com direitos e garantias fundamentais, conforme estabelecido na Constituição de 1988”, explica.
Cientista político e professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Alessandro Costa - Divulgação
Cientista político e professor de Direito do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Alessandro CostaDivulgação


Coisa pública

A título de curiosidade: do latim res publica, que significa “coisa pública”, a palavra República reforça a noção de que os bens e os interesses do Estado pertencem ao povo. Nesse sentido, o docente do Ceub salienta a importância desse princípio no texto constitucional:
"Nossa Constituição deixa claro, no artigo 1º, que ‘todo o poder emana do povo’, o que fundamenta a noção de que o Estado deve satisfazer as necessidades de seus cidadãos, protegendo seus direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à educação e à cultura”.

Sobre a ideia de ser um cidadão republicano, Costa explica que o conceito se baseia em indivíduos que acreditam na igualdade civil e no equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que atuam como contrapesos. “Ser republicano é respeitar os direitos de todos, acreditar na lei e na democracia, preservando a ética pública e os valores que fundamentam a república”, diz.

Desafios

Apesar de já ter mais de um século, o regime republicano ainda enfrenta muitos desafios. Entre eles estão a polarização política e social, as desigualdades socioeconômicas, escândalos de corrupção, populismo e autoritarismo, desafios econômicos e de sustentabilidade, baixo engajamento cívico e participação eleitoral, além da influência das redes sociais e da desinformação.
O professor e historiador Victor Missiato - Divulgação
O professor e historiador Victor MissiatoDivulgação


O professor e historiador Victor Missiato aponta que tantos desafios acontecem exatamente porque o Brasil não “vivencia seus ideais republicanos na prática”.
"Os maiores desafios [da República] é, como diria o José Murilo de Carvalho, historiador recentemente falecido, 'republicanizar a república'. Porque, embora nós tenhamos o regime republicano há mais de um século, a verdade é que as relações republicanas no Brasil são muito problemáticas. Quem tem um sobrenome às vezes se sobrepõe, quem tem um acordo político aqui às vezes se sobrepõe. Quando aquela famosa frase que o Roberto da Mata institucionalizou no seu livro, que é 'você sabe com quem você está falando?', isso ainda funciona muito no Brasil. Ou seja, nossa República ainda carece de uma institucionalidade maior", opina.

Já Bollis cita como uma objeção do sistema republicano atual a harmonia e o respeito entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “O que é perceptível é que em muitos momentos nós tivemos um duelo entre os poderes no Brasil. Nós temos uma história em que o Executivo faz ameaças ao Judiciário, o Judiciário invalida decisões que são pertinentes ao Executivo, a Câmara enfraquece ou quer enfraquecer o poder do Executivo e interfere em decisões do Judiciário e por aí vai”, ressalta.

Ele lembra ainda que outro problema do sistema republicano é a ameaça ao sistema democrático. “Dependendo de quem está no poder, existe sempre uma ameaça ao sistema democrático. Desacreditar das urnas eletrônicas e do processo eleitoral mina uma das principais conquistas de um país republicano, que é a população poder escolher os seus governantes”, enfatiza.
Por fim, Bolis frisa que os regimes republicanos surgiram como contraponto aos regimes autoritários e ditatoriais:
"Além disso, muitos líderes autoritários utilizam meios republicanos para chegar ao poder e violar uma das principais características da república que é a democracia. Penso que a democraria é a maior conquista desse modelo de governo, pois nela damos voz ao povo, temos o povo no poder. Portanto, nós [sociedade], temos que zelar por ela e ter o cuidado de quem colocamos no poder". 
Saudade dos tempos do imperador
Já o Movimento Pró-Monarquia se posiciona contrário a República, devido às suas sucessivas crises. "Defendemos a instituição do sistema parlamentarista, do poder moderador neutro, e a coroação de um monarca que seja imparcial e independente, pois acreditamos que o monarca é essa figura simbólica que aglutina todo mundo sob uma mesma bandeira, representando a continuidade da constitucional da nação, evitando crises sistêmicas e respondendo aos anseios da população, tal qual um juiz", explica Guilherme de Faria Nicastro, diretor da Juventude Monárquica do Brasil.
O diretor da Juventude Monárquica do Brasil Guilherme de Faria Nicastro  - Divulgação
O diretor da Juventude Monárquica do Brasil Guilherme de Faria Nicastro Divulgação


A Comissão de Direitos Humanos (CDH) vai analisar uma sugestão legislativa que pede a convocação de um plebiscito em 2026 para que os eleitores decidam se querem ou não a restauração da monarquia no Brasil. A ideia partiu de um cidadão de São Paulo e pode virar um projeto de lei se for acatada pela comissão. A sugestão foi criada após obter mais de 30 mil apoios como ideia legislativa no portal e-Cidadania. Em 2019, a CDH rejeitou uma sugestão legislativa similar.

Vale lembrar que o Brasil já teve dois plebiscitos sobre uma possível volta da monarquia. Um deles aconteceu em 1963, período pré-golpe militar, e o outro em 1993, após a redemocratização do país. Na avaliação de Bolis, o plebiscito que averigou se deveríamos trocar ou não de regime de governo foi um anacronismo histórico — que é quando utilizamos conceitos e ideias de uma época para analisar os fatos de outro tempo.
“A votação foi completamente desnecessária e, muito provavelmente, a população votou contra a volta da monarquia, pois o contexto de mundo da sociedade de 1993 era outro”.
À esquerda, a cédula que chegou a ser estudada para o plebiscito e foi rejeitada por supostamente privilegiar o parlamentarismo; à direita, a cédula adotada  - Arquivo do Senado e reprodução
À esquerda, a cédula que chegou a ser estudada para o plebiscito e foi rejeitada por supostamente privilegiar o parlamentarismo; à direita, a cédula adotada Arquivo do Senado e reprodução


Brasil já viveu regime parlamentarista em dois períodos

O Brasil já viveu dois períodos de regime parlamentarista. O primeiro deles ocorreu durante o reinado de Dom Pedro II, em que o País teve primeiros-ministros, que eram escolhidos no Senado. O outro momento foi após a renúncia de Jânio Quadros, entre 1961 e 62, no qual, durante um ano e quatro meses, houve três primeiros-ministros, sendo o mais longevo deles Tancredo Neves, que permaneceu dez meses no cargo.

Missiato explica as diferenças entre os dois períodos.
"No caso da experiência parlamentarista no reinado de Dom Pedro II, a constituição de 1824 era muito interessante, pois ao mesmo tempo em que ela centralizava o poder através do poder moderador, o parlamento tinha sua presença dentro da Constituição e existiam disputas pelo poder, baseadas em ideais ingleses. Já no caso do João Goulart foi muito mais um golpe de palacete, uma pressão militar para que ele assumisse no lugar do Jânio e ao mesmo tempo não tivesse um poder presidencialista, por conta da suspeita dele ser comunista, o que ele não era. No entanto, essa experiência parlamentarista não deu muito certo no Brasil. Quando houve o plebiscito em 1963, a maioria da população brasileira aprovou a volta do regime presidencialista, querendo um governo mais forte. É interessante observar que países muito grandes e populosos, como a China, Índia, Brasil e os EUA, costumam ter regimes mais centralizadores no que diz respeito ao poder Executivo", finaliza.