Palácio do Itamaraty na Esplanada dos MinistériosFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Por meio de uma análise de editais anteriores e de dados públicos, a instituição aferiu que, entre os 140 candidatos cotistas que participaram do certame deste ano, pelo menos 15 candidatos figuravam em edições passadas exclusivamente na ampla concorrência.
"Tal mudança de categoria suscita dúvidas legítimas quanto à autenticidade de sua autodeclaração racial, considerando a ausência de elementos que justifiquem uma 'descoberta tardia' da negritude", diz a ONG.
Adicionalmente, constatou-se que alguns candidatos já tiveram sua autodeclaração rejeitada por bancas de heteroidentificação em certames anteriores, "o que, de forma ainda mais grave, demonstra a reincidência de práticas fraudulentas", afirma a Educafro no documento.
A instituição enviou o levantamento na segunda-feira (25) ao Itamaraty e reivindica mudanças no edital. Caso não haja diálogo, a Educafro pretende representar a denúncia no Ministério Público Federal (MPF).
"Isso permite que candidatos oportunistas usufruam de benefícios injustos nas fases iniciais, prejudicando candidatos negros legítimos e a ampla concorrência. Além disso, tais indivíduos, caso desclassificados na heteroidentificação, são automaticamente incluídos na ampla concorrência, perpetuando a desigualdade", diz o diretor executivo da ONG, Frei David Santos.
A Educafro reconhece que o Instituto Rio Branco e a UnB foram pioneiras em ações afirmativas, mas aponta que lacunas no processo fragilizam esses avanços, "sobretudo quando se flexibiliza os critérios de autodeclaração e julgamento do fenótipo nas bancas de heteroidentificação", registra a organização.
A ONG aponta cinco candidatos ao CACD que se inscreveram até oito vezes consecutivas na ampla concorrência e, apenas após mudança nas regras, pela Instrução Normativa MGI nº 23/2023, decidiram migrar do grupo da ampla concorrência para as vagas reservadas para negros.
"São candidatos brancos que viram que amigos tiveram sucesso no último concurso e este ano decidiram se declarar negros. Requeremos que os candidatos negros sejam convocados", diz Frei David.
A Educafro também relacionou exemplos de dez candidatos previamente não confirmados em procedimento complementar à autodeclaração no CACD, em concursos correlatos (Ofchan/MRE) ou em outros concursos.
"Não cabe ao Educafro listar todos os fraudadores. Cabe ao Itamaraty fazer um trabalho bem feito para poder gerar justiça. Não aguentamos mais ver injustiça no Itamaraty. Falta letramento racial", critica o diretor executivo da ONG.
Entre os pedidos da Educafro enviados no documento está a adoção de medidas cautelares e corretivas pelo Instituto Rio Branco. São elas: convocação de todos os candidatos negros aprovados na segunda fase para a banca de heteroidentificação; inclusão, em aditivo no edital, de sanções aos candidatos que tiverem sua autodeclaração rejeitada, impedindo-os de concorrer tanto pelas cotas quanto pela ampla concorrência.
A organização solicita que a heteroidentificação seja realizada no início do concurso: "implementação imediata de heteroidentificação provisória com base em fotos enviadas no ato de inscrição, disponível na base de dados da banca examinadora, como ocorre em outros processos seletivos, evitando fraudes futuras", diz o texto.
O instituto destaca as seguintes regras da Instrução Normativa MGI nº 23, de 25 de julho de 2023, que estão sendo aplicadas ao CACD 2024. Entre elas, a determinação de que o critério de heteroidentificação seja fenotípico:
"Art. 21. A comissão de heteroidentificação utilizará exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pela pessoa no certame.
§ 1º Serão consideradas as características fenotípicas da pessoa ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação.
§ 2º Não serão considerados, para os fins do caput, quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em certames federais, estaduais, distritais e municipais ou em processos seletivos de qualquer natureza.
§ 3º Não será admitida, em nenhuma hipótese, a prova baseada em ancestralidade.
[...]
Art. 23, § 1º As deliberações da comissão de heteroidentificação terão validade apenas para o certame para o qual foi designada, não servindo para outras finalidades."
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.