Maria dos Aflitos é suspeita de participar do envenenamento que causou a morte de oito pessoas da sua própria família, incluindo crianças, em Parnaíba, no Piauí. Presa na última sexta-feira, 31, ela confessou o assassinato da vizinha, Maria Jocilene da Silva, na tentativa de incriminá-la pelas outras mortes e livrar o marido Francisco de Assis Pereira da Costa. A informação foi divulgada neste domingo, 2, pelo programa Fantástico, da TV Globo.
Maria dos Aflitos é mãe de Manoel Leandro da Silva, de 18 anos, e Francisca Maria da Silva, de 32 anos. Ela é também avó dos cinco filhos de Francisca, que também morreram após ingerir alimentos contaminados com terbufós, um pesticida de uso agrícola altamente tóxico e com venda controlada no Brasil.
Ao todo, foram três casos de envenenamento, com cinco meses de diferença, na mesma família. No primeiro caso, o alimento envenenado um foi suco em pó. Na segunda ocasião, foi envenenado um baião de dois; e na terceira, o café.
"Percebe-se um meticuloso plano e espera inteligente para a prática dos dois primeiros crimes, sendo o intervalo entre os dois crimes mais de quatro meses. Isso revela preparação meticulosa e paciente na execução", diz o delegado Abimael.
Francisco de Assis Pereira da Costa, o marido de Maria dos Aflitos, foi preso no dia 8 de janeiro, acusado de envenenar dois filhos e cinco netos de Maria em um almoço no primeiro dia do ano, com as sobras de um baião de dois servido no Réveillon.
Com Francisco já preso, a intenção de Maria era que a morte de Jocilene, por envenenamento, fosse simulada como um suicídio, para que ela adquirisse a culpa de todos os outros crimes e Francisco fosse liberado, disse o delegado Abimal Silva.
"[Acreditava] Que ele ia ser solto. Então, eu fiz isso. Mas eu me arrependo. Me arrependo amargamente", diz Maria dos Aflitos em depoimento.
Jocilene era uma vizinha muito próxima da família. Ela serviu de acompanhante dos netos de Maria dos Aflitos quando estiveram internados por envenenamento.
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Entenda a sequência dos envenenamentos
O primeiro caso foi registrado em 22 de agosto de 2024, quando dois meninos, de 7 e 8 anos, passaram mal após ingerirem alimentos contaminados. Os meninos, filhos de Francisca Maria da Silva e netos de Maria dos Aflitos, foram internados em Teresina, mas não resistiram. Uma das crianças faleceu em 12 de setembro e a outra em 10 de novembro.
As outras mortes ocorreram a partir do dia 1º de janeiro deste ano, quando nove membros da família passaram mal após almoçar baião de dois. Cinco deles morreram nos dias seguintes: Manoel Leandro da Silva, 18 anos; uma bebê de apenas 1 ano e 8 meses; uma menina de 3 anos; Francisca Maria da Silva, 32 anos; e outra criança de 4 anos.
Já o terceiro caso ocorreu em 22 de janeiro, quando Maria Jocilene da Silva, de 41 anos, vizinha de Maria dos Aflitos, morreu após ingerir café na casa da suspeita. De acordo com as investigações, Maria Jocilene e Maria dos Aflitos mantinham um relacionamento amoroso antes da chegada de Francisco de Assis à família.
"Para tentar despistar a polícia, Maria dos Aflitos afirmou, no momento da chegada dos agentes, que Jocilene teria sofrido um infarto, justificando que a vítima já teria tido um episódio similar anos atrás, em Brasília. O depoimento, registrado em áudio, reforça a linha investigativa de que a idosa tentou confundir as autoridades e encobrir mais um envenenamento dentro da própria casa", disse a polícia.
Confissão e motivação
Após sua prisão em 31 de janeiro, Maria dos Aflitos confessou o assassinato de Jocilene. No depoimento, revelou que a envenenou acreditando que isso ajudaria a libertar Francisco, assim como aconteceu com Lucélia.
Lucélia Maria da Conceição é uma vizinha da família. A princípio, Francisco afirmou às assistentes sociais do Hospital Estadual Dirceu Arcoverde e à polícia que os meninos envenenados em agosto do ano passado haviam consumido cajus supostamente doados por Lucélia Maria da Conceição, vizinha dos fundos da residência. No dia seguinte, Maria chegou a registrar boletim de ocorrência contra a vizinha. Enquanto isso, Francisco entregou à polícia uma sacola contendo cajus que supostamente seriam aqueles doados por Lucélia, relata o documento.
Diante da situação, Lucélia foi presa preventivamente. Após a detenção de Francisco em janeiro deste ano, ela foi solta.
Em depoimento, Maria disse, porém, que os primeiros envenenamentos foram cometidos por Francisco, "que desprezava seus filhos e netos". Ainda segundo Maria dos Aflitos, seu companheiro premeditou a história dos cajus para envenenar as crianças e acusar Lucélia.
"Maria confirmou que as duas primeiras crianças mortas teriam sido envenenadas através de um suco, do tipo refresco, e que Francisco adicionou veneno ao arroz durante a madrugada, enquanto ela dormia. Sobre a morte de Jocilene, Maria contou que encontrou o veneno atrás do fogão e colocou todo o conteúdo no café que ela mesma serviu à vítima, pois havia pouca quantidade. Cerca de 30 minutos após ingerir o veneno, a vítima começou a passar mal, ainda na residência", descreve a investigação policial.
De acordo com o secretário de Segurança Pública do Piauí, Chico Lucas, a principal motivação para a morte da família era econômica. "Eles queriam se livrar dos filhos. Era uma situação de muita pobreza", explica.
Livro nazista
Durante buscas, a policiais encontraram, na casa de Francisco, documentos que "reforçam sua obsessão por ideais nazistas", segundo documento da Polícia Civil. Em um dos livros, havia trechos grifados sobre o uso de venenos para matar pessoas com descrições semelhantes à da substância usada nos alimentos ingeridos pelas vítimas
"A dimensão da crueldade de Francisco se aprofundou com a análise de livros encontrados no baú e em uma segunda casa que somente ele tinha acesso. Entre as obras, uma chamou a atenção dos investigadores: Médicos Malditos, que detalha práticas da SS nazista. Trechos estavam grifados, incluindo uma anotação sobre o uso de substâncias para matar pessoas", afirma um documento policial ao qual o Estadão teve acesso.
As investigações afirmam ainda que "Francisco de Assis tinha profundo desprezo pelos filhos e netos de Maria", controlando os alimentos da casa, armazenando-os em um baú trancado, cuja chave ele carregava pendurada no pescoço, levando a episódios de fome na residência.
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