Censo 2022 é o primeiro em que o IBGE coleta informações específicas da população quilombolaTomaz Silva / Agência Brasil
A constatação faz parte de mais um suplemento do Censo 2022, divulgado nesta sexta-feira (9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Do total de 203 milhões de brasileiros contabilizados pelo Censo 2022, apenas 12,6% moravam em áreas rurais. Já entre os 1,3 milhão de quilombolas, 61,71% viviam no campo. Isso representa 820,9 mil pessoas. Pouco mais de 509 mil (38,29%) moravam nas cidades.
O Censo 2022 é o primeiro em que o IBGE coleta informações específicas da população quilombola, de forma que não é possível fazer comparativos para saber se a proporção de quilombolas no campo tem aumentado, diminuído ou ficado estável ao longo do tempo.
O instituto já havia divulgado dados sobre a quantidade de quilombolas brasileiros e condições socioeconômicas, tais como pior acesso ao saneamento.
A novidade desta divulgação é o retrato que separa a população quilombola em áreas urbanas e rurais. De acordo com o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, o resultado foi uma “descoberta”.
“É um fator absolutamente novo, em termos de composição de grupos étnicos. A gente não vê isso se repetir em nenhum outro grupo. Os indígenas hoje têm a maior parte da população em contexto urbano”, afirma.
Raízes históricas
A coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, Marta Antunes, acrescenta que a presença maior dessa população em áreas rurais é um fator de raízes históricas.
“Tem a ver com o histórico da ocupação pela escravização e de como foi essa resistência organizada ao longo dos séculos”, disse.
Fernando Damasco ressalta a identificação das comunidades quilombolas com a questão rural.
“Na própria constituição do movimento social quilombola, a própria vinculação identitária associada a comunidades de ancestralidade negra, associada à opressão histórica sofrida, está profundamente vinculada à área rural”, pontua.
Regiões e estados
Brasil: 61,71%
Norte: 63,40%
Nordeste: 65,01%
Centro-Oeste: 31,96%
Sudeste: 47,68%
Sul: 45,62%
Piauí: 87,87%
Amazonas: 84,92%
Maranhão: 79,74%
Na outra ponta figuram:
Distrito Federal: 2,95%
Rondônia: 18,39%
Goiás: 27,03%
Rio de Janeiro: 27,28%
Acre e Roraima não registram localidade quilombola, seja urbana ou rural.
Territórios delimitados
População e alfabetização
A mediana – número que separa a metade mais jovem da metade mais velha da população – do país é 35 anos. Já a dos quilombolas é de 31 anos, sendo 32 para os que vivem na cidade e 29 para os que moram no campo.
O IBGE já havia relevado que os quilombolas enfrentam mais o analfabetismo que a população como um todo. O novo levantamento aprofunda a análise com dados relativos a campo e cidade.
Assim como na média do país a taxa de analfabetismo no campo (18,16% da população) é maior que na cidade (5,44%), entre os quilombolas o padrão se repete: 22,71% na área rural e 13,28% na urbana.
Para chegar à taxa de analfabetismo, o instituto calculou a proporção de pessoas com 15 anos ou mais de idade que não sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples.
Moradia
No Brasil, a média é de 2,79 morador por lar, variando de 2,76 em área urbana a 2,99 em rural. Já entre os quilombolas, a média é de 3,17, sendo 3,07 na cidade e 3,25 no campo.
Os pesquisadores identificaram também que na população brasileira que vive no campo, 4,26% dos moradores não tinham banheiro nem sanitário.
Em se tratando de quilombolas que viviam em área rural, esse percentual subia para 6,36%. A situação era pior ainda para os moradores de áreas rurais especificamente dentro de territórios quilombolas delimitados, chegando a 7,03%.
Precariedade no saneamento
Enquanto nas cidades brasileiras, 18,71% dos habitantes moram em domicílio com alguma forma de precariedade, essa proporção salta para 53,61% entre os quilombolas que vivem em áreas urbanas.
Já em relação à vida em área rural, a precariedade em domicílios atinge 87,20% da população brasileira e 94,62% dos quilombolas.
Foram considerados elementos de precariedade no saneamento: ausência de abastecimento de água canalizada até o domicílio proveniente de rede geral, poço, fonte, nascente ou mina; ou ausência de destinação do esgoto para rede geral, pluvial ou fossa séptica; ou ausência de coleta direta ou indireta por serviço de limpeza.
A pesquisa destaca que em relação ao acesso à água em áreas urbanas, a precariedade é quase quatro vezes maior entre a população quilombola (9,21%) que entre a população brasileira como um todo (2,72%). No campo essa diferença é 43,48% (quilombolas) contra 29,35% (média Brasil).
De acordo com a coordenadora Marta Antunes, diferenciar as condições de quilombolas entre áreas rurais e urbanas permite direcionar melhor políticas públicas para essas populações.
“A importância de separar urbano e rural, tanto para água quanto para esgotamento, tem a ver também com as soluções de infraestrutura diferenciadas em relação ao suprimento desses serviços e que são diferenciadas entre o rural e urbano”, aponta.
Políticas públicas
"Pensar a ação pública, pensar efetivamente soluções para os problemas que afetam essa população, significa dialogar com a realidade do mundo rural", afirma.
"Eu [Estado] vou priorizar a política de crédito agrícola, habitação rural, saneamento rural, escolarização rural", sugere.
"Ao mesmo tempo, não posso deixar de considerar que tenho pouco mais de três a cada dez quilombolas nas cidades. Isso implica também em políticas públicas urbanas para essa população, política de habitação, de acesso à renda, a emprego na cidade e por aí vai", complementa.
O pesquisador indica ainda que é preciso aprofundar estudos sobre a mobilidade da população quilombola, como migração para áreas urbanas em busca de oportunidades de escolarização e renda, e transformações espaciais.
"Os territórios rurais que, muitas vezes, estão nas franjas das grandes cidades, com o avanço da urbanização, acabam se vendo engolidos pela situação urbana", aponta.
“São dinâmicas que ocorrem, que afetam essa população e que são características e que precisam ser aprofundadas”, sugere Damasco.
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