Estudo da Embrapa aponta que quase todo o território brasileiro terá risco elevado para cultivo da hortaliça no verãoDivulgação / Embrapa
Segundo pesquisadores, em um cenário otimista de aquecimento global, nos últimos 30 anos deste século, 97% do território brasileiro terá risco climático alto ou muito alto para cultivo de alface em campo aberto durante o verão.
Para chegar à conclusão, técnicos da Embrapa analisaram como diversos cenários de mudanças climáticas podem afetar o cultivo da hortaliça, considerada vulnerável a altas temperaturas.
O engenheiro-agrônomo Fábio Suinaga, pesquisador em Melhoramento Genético da Embrapa Hortaliças, explica que do ponto de vista evolutivo, a alface depende de temperatura amena e boa umidade para se desenvolver plenamente.
“Os números projetados são preocupantes porque a adaptação da espécie às altas temperaturas é mínima, especialmente se considerar que as sementes de alface exigem temperaturas inferiores a 22°C para haver germinação”, avalia.
Cenários otimista e pessimista
O levantamento considerou dois cenários, um otimista (RCP 4.5) e um pessimista (RCP 8.5), em relação a quanto a temperatura vai subir na comparação com o clima do período histórico de 1961 a 1990.
Projeção otimista: há um controle das emissões de gases do efeito estufa, causadores do aquecimento global. Isso resultaria em um aumento da temperatura do planeta entre 2° Celsius (C) e 3°C, na janela de 2071 a 2100.
Cenário otimista: entre 2071 e 2100, faixa de temperatura durante o verão de 23,4°C a 41,2°C. Dessa forma, 79,6% do território nacional apresentará risco climático alto; e 17,4%, muito alto.
Atualmente, a maior parte do cultivo de alface no Brasil se dá nos campos abertos, e a menor parte é feita nos chamados ambientes protegidos ou controlados, como estufas.
Efeito do calor
A Embrapa explica que, em condições climáticas desfavoráveis, como altas temperaturas e excesso de umidade, como acontece nos cultivos de verão, as folhas crescem rapidamente, e o deslocamento de cálcio na planta fica comprometido, o que ocasiona manchas escuras na borda das folhas.
Temperaturas médias acima de 25º também causam florescimento (pendoamento) precoce. Com isso, a alface perde qualidade e o padrão comercial, pois há o alongamento do caule, a redução do número de folhas e maior produção de látex, que dá o sabor amargo à hortaliça.
O engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador em Mudanças Climáticas Globais da Embrapa, enfatiza que entender como as mudanças climáticas podem afetar a produção de alface é essencial para desenvolver estratégias de adaptação.
“Isso permite antecipar impactos e evitar prejuízos”, diz. “Os mapas evidenciam a urgência de pensarmos em sistemas produtivos adaptados ao clima, especialmente para hortaliças, que são mais sensíveis que as grandes culturas como milho ou soja”, acrescenta.
Os mapas resultantes do estudo ilustram que, do melhor ao pior cenário, todas as regiões do Brasil apresentam risco climático alto, com exceção de uma área pequena no sul do país, com risco moderado. No pior cenário, o território brasileiro é todo tomado pelo risco muito alto, e somente a faixa litorânea tem risco alto.
“Os mapas tornam mais fácil a visualização do impacto da temperatura na cultura da alface e evidenciam a urgência em se pensar não mais sobre mitigação, e, sim, sobre adaptação dos sistemas produtivos de hortaliças às mudanças do clima”, diz Pacheco.
Como se adaptar
A empresa também trabalha no desenvolvimento de espécies com sistema radicular (raízes) vigoroso, capazes de aproveitar melhor água e nutrientes do solo.
Além da observação de como o calor afeta o cultivo de alface, os pesquisadores planejam ampliar os estudos para outras hortaliças, como tomate, batata e cenoura. Os técnicos adotam o uso de inteligência artificial (IA) para automatizar o processo de geração dos mapas de risco climático e conseguir maior escala e agilidade no desenvolvimento dos levantamentos.
Produção de alface
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), tem dados mais recentes, mas relativos apenas à produção que chega às Centrais de Abastecimento (Ceasa).
De acordo com o Boletim Hortigranjeiro de agosto de 2025, as 11 Ceasas que possuem sistemas integrados ao da Conab comercializaram 4,6 mil toneladas de alface, sendo os principais volumes em São Paulo (2,2 mil), Curitiba (870,7 mil) e Fortaleza (558,6 mil).


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