Entrada do Dormitório das Garças, em Cabo Frio e guarda-corpo quebrado do localLudmila Lopes (RC24h)
Para desenvolver o projeto do Dormitório das Garças, a empresa recebeu duas emendas parlamentares do então deputado federal Paulo Ramos (PDT) nos valores de R$ 805.240 e R$ 814.604. De acordo com o Portal de Transparência do Governo Federal, a quantia foi repassada no dia 14 de março de 2024, três meses após o início das obras.
Inclusive, chama a atenção a quantidade de emendas do ex-deputado destinadas à empresa. De 25, 16 foram da autoria de Ramos.
Vale pontuar, ainda, que o Instituto de Gestão Setorial (IGS), apesar do CNPJ se limitar a atividades de contabilidade, corretagem de seguro, consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica, foi quem fez o projeto do Dormitório das Garças.
A empresa também fez outros projetos ligados ao Instituto Ecovida, de acordo com os documentos.
Prevista para terminar em dezembro de 2024, neste início de junho, compreende-se que as obras deveriam estar na metade. Ou ao menos as contratações, até porque, de acordo com o plano de trabalho, apenas para estruturar a equipe do Instituto Ecovida para trabalhar no projeto, o custo foi de R$ 779.503,82, o que equivale quase 48% do orçamento total.
Esta quantia, inclusive, consta na primeira meta no cronograma de desembolso, estando à frente, até mesmo, de ações de integração e de restauração. Veja:
Mês de desembolso: Fevereiro | Ano: 2024 |
META Nº 1 | Valor da meta: R$ 779.503,82 |
DESCRIÇÃO: Estruturar a equipe do instituto EcoVida para trabalhar no Projeto | |
META Nº 2 | Valor da meta: R$ 114.923,64 |
DESCRIÇÃO: Integrar a população urbana e turística de Cabo Frio ao projeto | |
META Nº 3 | Valor da meta: R$ 187.037,36 |
DESCRIÇÃO: Recuperar a área degradada com o plantio de 6.500 mudas | |
META Nº 4 | Valor da meta: R$ 425 mil |
DESCRIÇÃO: Restauração do deck e do observatório/mirante | |
META Nº 5 | Valor da meta: R$ 122.743,18 |
DESCRIÇÃO: Conter a ocorrência de acessos e ocupações irregulares | |
Valor total do repasse: R$ 1.629.208 | Número de parcelas: 1 |
Uma equipe do Dia esteve no Dormitório das Garças na tarde desta terça-feira (4), para apurar as denúncias de que o dinheiro investido no local não teria sido pago e não encontrou nem a metade dos funcionários prometidos pelo Instituto. Inclusive, funcionários estavam precisando ocupar cargos de outros, que estavam de folga.
Quantidade | Cargo | Vínculo | Salário | |
1 | Coordenador Geral 30h/s | Microempreendedor individual (MEI) | R$ 5 mil | |
1 | Coordenador técnico 30h/s | Microempreendedor individual (MEI) | R$ 4,8 mil | |
1 | Auxiliar administrativo 30h/s | Microempreendedor individual (MEI) | R$ 4,1 mil | |
1 | Técnico do viveiro/ botânico 20h/s | Microempreendedor individual (MEI) | R$ 3,8 mil | |
1 | Encarregado 40h/s | Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) | R$ 2,8 mil | |
4 | Serviços gerais | Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) | R$ 1,4 mil | |
2 | Estagiário | Termo de Compromisso de Estágio (TCE) | R$ 700 | |
1 | Equipamentos e EPIs | - | R$ 4 mil | |
1 | Assessoria e Gestão Financeira, Jurídica e Contábil | Contrato | R$ 255.215 | |
Encargos sobre CLT | ||||
R$ 214.272 |
E, de fato, é algo necessário. O que causa estranheza é a quantidade demandada no plano de aplicação detalhado, no qual apresenta a necessidade de 80 profissionais, todos custando R$ 275. O custeamento total dos quase 100 educadores é de R$ 22 mil.
Além disso, no plano de aplicação detalhado, consta que o Instituto está direcionando a quantia de R$ 30 mil para dez assessores de imprensa, com cada um recebendo R$ 3 mil. O objetivo, no caso, seria para a divulgação do projeto. Entretanto, nenhuma dessas pessoas foi identificada no local.
Divulgação e banners
Inclusive, no plano de trabalho, são apresentados os valores dos itens de divulgação, que, somados, chegam a R$ 88.622,50. Dentre estes, estão inclusas 1.250 camisetas personalizadas, 3 mil lápis semente personalizados, 1.250 ecobags de algodão, entre outros. Mas não para por aí, não. O objetivo, no caso, é divulgar a realização de todas as ações do projeto para 1.200 pessoas.
Ao que aparenta, a pretensão seria fazer tudo em grande estilo, com quatro novos banners na entrada e uma placa de inauguração. Isso, somado, conforme o orçamento apresentado no plano, está avaliado em R$ 1.060. O problema é que, no local, nenhum desses banners, brindes, ou, até mesmo placa, foram identificados no parque.
Essas ações fariam parte da meta número dois, que, na teoria, tem como objetivo integrar a população urbana e turística de Cabo Frio ao projeto.
Confira os gastos detalhados:
Quantidade | Compra | Valor | |
2 | Banner de Lona 1.000X2.000 com tripé | R$ 223 | |
2 | Banner de Lona com ilhões 1.000X3.000 | R$ 157 | |
1 | Placa de inauguração | R$ 300 | |
1.250 | Camisas personalizadas | R$ 33,65 | |
3 mil | Lápis semente personalizado | R$ 3,75 | |
1.250 | Ecobag algodão cru 36,5 cm personalizada | R$ 25 | |
3mil | Tags com informações do proejto em papel semente | R$ 1 | |
Total | |||
R$ 88.622,50 |
O estado das grades de arame, também inclusas no orçamento, preocupa, principalmente porque, dentre as metas estabelecidas pelo projeto, consta a contenção da ocorrência de acessos e ocupações irregulares.
Vale destacar que as obras já estão na metade e, de acordo com o cronograma de desembolso do Meio Ambiente, todo o repasse foi realizado em fevereiro deste ano. Além disso, de acordo com o plano de aplicação detalhado, o orçamento destinado ao material para o cercamento, avaliado em R$ 122.743,18, é "mais em conta" do que o valor destinado para estruturar a equipe do Instituto Ecovida para atuar no projeto. A diferença é de R$ 626.343,82.
Além disso, notas fiscais acessadas pela reportagem indicam que os mourões já foram comprados.
Quantidade | Compra | Valor | |
3.251 | Mourões com diametro de 8 a 10 cm e 2,20 de largura | R$ 30,18 | |
400 | Bloco de cimento 29x14x19 | R$ 4,08 | |
40 | Grade de arame gravanizado rolo de 25 M | R$ 574,90 | |
Total | |||
R$ 122.743,18 |
Interior "caindo aos pedaços"
Na proposta feita pelo Instituto Ecovida ao Ministério do Meio Ambiente, a reforma do deck e do observatório são dois dos principais fatores a serem resolvidos no Dormitório das Garças. De acordo com o documento, os problemas ocorreram por conta da "compactação do solo, erosão e visitação frequente", prejudicando a realização de atividades de educação ambiental no parque.
O problema é que praticamente nada foi feito. Algumas madeiras do deck foram trocadas, outras reutilizadas. Sem contar com a pilha delas que foi encontrada próximo ao banheiro do parque, sendo algumas novas e outras antigas, ainda com pregos - apresentando perigo para quem frequenta o local. Lembrando que junho é o mês do Meio Ambiente, não apenas esta quarta-feira, então o número de visitações tende a aumentar nos próximos dias, principalmente de escolas.
Essas reformas fariam parte da meta número quatro, que, teoricamente, tem como objetivo restaurar o deck e o mirante.
Por mais que a ação ainda esteja no prazo, conversando com funcionários e frequentadores do parque, a reportagem descobriu que essa informação nunca correu o local. As pessoas sequer têm conhecimento do que se trata a "tal estufa".
E ainda falando sobre a recuperação da área degradada, a justificativa dada pelo Instituto Ecovida ao Ministério do Meio Ambiente para a compra de novas mudas foi que "a invasão de espécies não nativas prejudicam a biodiversidade do mangue, suprimindo as nativas e alterando o ecossistema, impactando sua fauna e flora". O problema é que nenhum novo plantio foi identificado - pelo contrário. Plantas danificadas, cortadas e, até mesmo, pichadas são encontradas no parque - especialmente na trilha.
O valor destinado à compra das 6.500 mudas de manguezal e insumos para o plantio é de R$ 141.382. Já o orçamento empregado para o maquinário e ferramentas para a manutenção dos mesmo é de R$ 15.255,36. Nenhum dispositivo foi encontrado no parque.
Em relação à cadeira de rodas, não foi possível saber se havia uma disponível no parque. Entretanto, em relação aos rádios comunicadores, foi possível notar funcionários se deslocando de um ponto ao outro, devido à falta dos mesmos.
E o básico?
Além disso, em que pese o orçamento milionário, conforme apurado, alguns itens básicos como papel higiênico e copos descartáveis para visitantes e funcionários faltam no local. Placas de identificação das espécies nativas, itens que não constam no orçamento, também encontram-se quebradas.
Latas de lixo sem tampa também são frequentes na localidade, sem contar com vasos e pias quebradas.
O Dia entrou em contato com todos os mencionados na reportagem, tendo dificuldade, apenas, para contatar Rosalice Fernandes, cujo número de telefone, aparentemente, foi trocado. O espaço segue aberto para pronunciamento, caso a ex-secretária e atual coordenadora do Instituto Ecovida de Cabo Frio assim desejar.
Já a prefeitura informou que solicitou limpeza do local à Comsercaf. Aos demais, o espaço segue aberto para esclarecimentos e posicionamentos.
O Dia também tentou contato com a assessoria de imprensa do projeto do Dormitório das Garças, contudo, não obteve sucesso.
O Parque Natural Municipal Dormitório das Garças foi estabelecido pela Lei 1.596 em 29 de novembro de 2001, e é um ecossistema de manguezal de importância especial, localizado no início da maior laguna hipersalina do mundo, que permanece aberta o tempo todo.
A área é o lar de cerca de 1.400 garças brancas, além de colhereiros sazonais e outras 39 espécies de aves. Principalmente composto por siriubal (mangue negro), o parque cobre uma área de aproximadamente 215.000 m², sem receber aporte regular de água doce, apresentando relevo plano, clima seco, alta exposição solar, baixa pluviosidade e ventos constantes.
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