Nossos males têm medo de serem expostos. Quando jogamos luz sobre eles, rumamos para uma vida melhor. Afinal, como canta Nando Reis: 'Verdade traz felicidade/ A realidade também'.Arte de Kiko com fotos de Patrick Rocha
Coragem
Ser destemido, muitas vezes, é mostrar alegria. E foi isso que senti em Nando Reis nas muitas vezes em que o telão flagrava suas expressões no palco. Ele estava feliz ali, cantando, dançando e na companhia de um dos seus filhos, para quem escreveu e musicou que o "mundo é bão, Sebastião".
Dias antes de assistir ao show da turnê 'Uma Estrela Misteriosa', de Nando Reis, na Barra da Tijuca, passei a me familiarizar com as canções do seu novo álbum. Já as músicas antigas eu sei de cor. Aliás, eu jurava que a grafia correta era cór. De qualquer forma, é linda essa expressão que significa uma sensação que amo: saber de coração. Algo que explica muito um pensamento do cantor e compositor com o qual me identifico. Nando acha curioso ser intitulado como autobiográfico por acreditar que as expressões artísticas, explicitamente ou não, sempre revelam a essência dos seus autores. Ou seja, seria impossível não colocar uma parte dele nas letras.
Assim, repassando o álbum no Spotify, eu me encantei especialmente com a faixa 'Coragem é Poder Mostrar'. Eu, que por tantas vezes tive medo de revelar meus sentimentos, achei lindo que a bravura esteja relacionada ao ato de revelar. Nossos medos gostam de nos impedir e, por isso, precisamos dizer a eles que podemos ir em frente mesmo que nos acompanhem. Hoje, por exemplo, me sinto corajosa em escrever sobre o que sinto também. Ainda mais porque Nando diz que conta as histórias de suas músicas, mas isso não significa que essa é a maneira como todos devem entendê-las. Assim, revelo os meus sentimentos sobre a sua obra.
Coragem foi o que Nando mostrou no palco, assim como tem feito em suas entrevistas. Durante o show, ele falou sobre o alcoolismo, vício que superou em 2016, e reafirmou a necessidade de vê-lo como uma doença que exige tratamento. Nossos males têm medo de serem expostos. Quando jogamos luz sobre eles, rumamos para uma vida melhor. Afinal, como canta Nando Reis: 'Verdade traz felicidade/ A realidade também'.
Também vejo bravura em Nando ao repetir a história de que errou o endereço da melhor amiga em uma das suas músicas mais consagradas: 'All Star', feita para Cássia Eller. Quantas vezes temos medo de assumir que falhamos? No show, Nando recordou que a artista morava no Cosme Velho, mas ele achava que era Laranjeiras. E assim ficou eternizado que "o bairro das Laranjeiras satisfeito sorri...". Para mim, é e sempre será assim. Que nos desculpe o Cosme Velho.
Ser destemido, muitas vezes, é mostrar alegria. E foi isso que senti em Nando Reis nas muitas vezes em que o telão flagrava suas expressões no palco. Ele estava feliz ali, cantando, dançando e na companhia de um dos seus filhos, para quem escreveu e musicou que o "mundo é bão, Sebastião". Há bravura em reconhecer isso, apesar dos tantos obstáculos e tristezas que a vida nos traz. Tornar o mundo "bão" para mais pessoas é também um ato de coragem. É o que faz Nando ao promover acessibilidade na sua turnê. Foi nessa canção, aliás, que me encantei ainda mais com o seu prazer de estar no palco ao dançar e cantar com um dos intérpretes de libras.
O músico, aliás, nos chamou para uma viagem rumo à 'Estrela Misteriosa'. Dizem os versos que "Assim que eu chegar em Júpiter/ Te escrevo/ Tiro uma polaroide, envio um postal..." Coragem é também fantasiar a vida em outros planetas. Ou até mesmo olhar para o céu enquanto o mundo insiste em não nos deixar contemplar a pausa. Nando Reis, no entanto, está sempre enxergando o que tem acima de nós, ao cantar as Três Marias, o Sol, a Lua...
Talvez o seu lado autobiográfico intrigue tanta gente porque ele fala de sentimentos em um mundo onde tentam nos convencer de que não vale a pena ser um emocionado. Por falar nisso, outra canção de seu novo álbum também ganhou meu coração. Chama-se 'Dois Réveillons' e seus versos dizem: "Sim, eu te amo/ Meu raio de Sol/ No escuro oceano/ Você é o meu farol/ Ouvindo esse canto/ De um rouxinol/ Te amo".
De fato, eu gosto dessa ideia de ser bravamente amorosa.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.