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Os românticos diziam: o que acontece em Paris, fica em Paris. Isso, felizmente, nem sempre é possível em dias de imprensa livre. Na última semana, durante o excelente evento promovido pela organização Esfera Brasil, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, resolveram ter uma DR em público. Um ato bom para a Democracia e que fortalece os poderes constituídos. Com a maturidade necessária. Foi uma divergência rara, pois, em parte, os dois tinham razão.
O presidente do Senado, com autoridade, deixou claro que o Poder Judiciário deve ter cuidado para não extrapolar os limites constitucionais próprios e devidos. Sob pena, claro, de uma fissura no equilíbrio republicano que todos nós devemos respeitar. E, em uma posição que merece reflexão e respeito, falou sobre as atribuições de cada Poder. Um pronunciamento digno e condizente com o cargo de presidente do Congresso. O ministro Gilmar Mendes fez diversas observações que honram o Judiciário e mostrou, claramente, o que significou, e ainda significa, o Poder Judiciário no momento dramático pelo qual passou o Brasil. E ainda passa.
Durante a gestão fascista e golpista do ex-presidente Bolsonaro escrevi, em vários artigos, que o Legislativo foi, no mais das vezes, omisso e leniente, pois estava cooptado pelo governo de ultradireita e antidemocrático. Claro que o presidente Pacheco nunca se omitiu, mas parte do Congresso foi quase cúmplice do arbítrio desse governo bandido e covarde.
Quem manteve a institucionalidade e o Estado democrático de direito foi o Judiciário. Esse poder conservador e patrimonialista defendeu a Constituição e não permitiu o golpe urdido pela extrema direita. Por isso mesmo, a fala do ministro Gilmar cresce de importância. Até porque, como bem observou o decano da Suprema Corte, com a coragem e o desassombro que o caracterizam, boa parte dos presentes no Fórum
"defenderam concepções que, se vitoriosas, levariam à derrocada do Supremo".
É necessário e urgente que tenhamos esta noção histórica: foi o Judiciário, especialmente o Supremo, que manteve a hipótese de um país livre e democrático. Claro que com apoio de boa parte da sociedade civil.
Mas é essencial que continuemos atentos e vigilantes. Em conversa reservada durante o encontro, ouvi de importante líder do bolsonarismo que, com a condenação certa, necessária e justa dos políticos que patrocinaram a tentativa de golpe, dos militares, dos financiadores e, especialmente, da família Bolsonaro, o próximo Senado a ser eleito virá determinado a mudar a estrutura do Supremo Tribunal, inclusive com o impeachment de alguns ministros. E um Presidente da República de extrema direita, apoiado por esse
Senado bolsonarista, daria indulto aos golpistas condenados. Ou seja, não tiveram o apoio para efetivar o golpe pela força, embora tenham tentado, mas voltarão a tentar o golpe sob outra roupagem.
É sempre bom nos lembrarmos do velho Ulysses Guimarães, em seu famoso discurso no dia 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal: "Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo."
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay