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“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.”Jean-Paul Sartre
A imagem de um empresário atirando em policiais de dentro de sua casa, em São Paulo, chocou o país. Parecia um filme de faroeste. A morte dele foi o destaque no noticiário nacional. O assassinato da policial, que estava trabalhando e foi alvejada pelo empresário, era apenas um detalhe que compôs as matérias jornalísticas. Ela tinha 39 anos e deixou um filho de 5. Na verdade, um ato bárbaro como esse deveria suscitar uma séria discussão sobre um fato que é pouco explorado: o perigoso costume de permitir que o cidadão possua armas. O governo fascista do Bolsonaro não só as liberou, mas incentivou o armamento. Em 2022, no Sistema Nacional de Armas da Polícia Federal, constavam 2,3 milhões de armas de fogo com registro ativo - um crescimento de 15,3% em relação a 2021.
Claro que, muito além dos interesses econômicos da indústria armamentista, está em jogo toda uma visão violenta da ultradireita. É um discurso fácil e falso de proteger o dito “cidadão de bem” que é, em regra, o que mata, o que agride as mulheres e o que substitui sua impotência intelectual, e outras impotências, pela coragem de portar uma arma. O revólver ou o fuzil substituem, no inconsciente do atirador, um imaginário fálico. Só que essa substituição pode resultar em morte.
A banalização da violência virou um perigoso mal na sociedade brasileira. Outrora, o risco de uma bala perdida era o que apavorava. Hoje, as mortes por engano, a reação da população trabalhadora aos crimes - sem controle, fazendo justiça pelas próprias mãos -, a insegurança generalizada e a absoluta falta de uma política de segurança fazem com que parte do país esteja entregue à milícia e à própria sorte. Especialmente no Rio de Janeiro, terra dos bolsonaristas raiz, a ausência do Estado floresceu um banditismo oficial. Não existe vácuo de poder e o que vemos é a necessária subserviência aos milicianos como única maneira de sobreviver.
A situação chegou a um descalabro tal que as prioridades óbvias, como o combate à fome - já que cerca de 30 milhões de pessoas passam fome no país -, ao desemprego e à trágica realidade dos 300 mil brasileiros morando nas ruas, parece congelar pela dramática violência que está emparedando o cidadão. Viramos todos reféns de grupos que vivem à margem da sociedade organizada, uma milícia que dominou o lugar mais charmoso do Brasil e que estende suas garras para o país como um todo.
A desigualdade social reflete-se mesmo nos momentos mais dramáticos. A maneira com que a polícia reage às agressões sofridas por pessoas pretas e pobres - os invisíveis sociais - é muito diferente da reação contra os que detêm o poder político e econômico. A violência é a regra estabelecida na sociedade. Em 2022, o Exército identificou 783.385 certificados de registro ativos para as atividades de caçador, atirador desportivo e colecionador, o que corresponde ao total de CAC’s ativos no país. O empresário que morreu e matou a policial era um CAC. Entre 2018 e 2022, constatou-se um crescimento de 665% no número de certificados de CAC’s concedidos.
Em 2022, Roberto Jefferson, um ilustre representante do bolsonarismo, recebeu a Polícia Federal em sua casa lançando 3 granadas e disparando mais de 50 tiros contra a viatura. Se algo semelhante ocorresse numa favela, a resposta seria uma carnificina. É preciso repensar o Brasil. E ter a certeza de que, sem uma política de segurança pública eficaz, cada vez mais veremos os tais “cidadãos de bem” querendo fazer justiça pelas próprias mãos. É a institucionalização da barbárie.
Lembrando-nos de Mahatma Gandhi: “A não violência e a covardia não combinam. Posso imaginar um homem armado até os dentes que no fundo é um covarde. A posse de armas insinua um elemento de medo, se não mesmo de covardia”.