Arte coluna Kakay 09 Janeiro 2025_VERSAO ONLINEArte Paulo Márcio
“Eu criei um monstro.”
Do grande Sepúlveda Pertence, parafraseando o General Golbery, quando disse sobre o SNI que ele ajudou a criar em 1964. Pertence foi um PGR importantíssimo na definição dos poderes do Ministério Público Federal.
Do grande Sepúlveda Pertence, parafraseando o General Golbery, quando disse sobre o SNI que ele ajudou a criar em 1964. Pertence foi um PGR importantíssimo na definição dos poderes do Ministério Público Federal.
Durante a pandemia, o mundo inteiro sofreu muito. Chegamos a duvidar se voltaríamos a ter uma vida com a normalidade que existia antes da praga. No Brasil, tínhamos todos um sofrimento adicional. Um presidente irresponsável, desumano e atrasado, com um pacto maligno com a morte, com a dor e com o descaso ao próximo. Um homem pequeno que nunca esteve à altura do cargo. Desdenhou dos que sofriam de uma maneira cruel. Chegou a imitar uma pessoa com uma crise de falta de ar, rindo e mostrando sua personalidade perversa. Além de tudo, burro. Tivesse simplesmente comprado a vacina e se imunizado, seguindo a ciência e ouvindo seu ministro da Casa Civil, ele, quase certamente, estaria reeleito hoje. Preferiu a barbárie e foi o responsável direto, por sua escolha política de não enfrentamento ao vírus, por, pelo menos, 1/4 dos 700 mil mortos.
À época, vários de nós representamos ao procurador-geral da República requerendo que fosse apresentada uma denúncia contra o Presidente da República. Pela opção constitucional brasileira, o PGR é o dominus litis, ou seja, o dono da ação penal. Só ele, ou algum subprocurador por ele nomeado, pode oferecer uma acusação junto ao Supremo Tribunal. A ação penal só terá início se e quando a Corte Suprema receber a denúncia. E aí sim, começa a persecução criminal. Em outras palavras, no Brasil, no momento pré-processual, o procurador-geral da República pode mais e tem mais poder do que os 11 ministros do Supremo juntos. São os poderes imperiais do PGR.
Quando o Dr. Aras escolheu não processar Bolsonaro, discutiu-se muito sobre a necessidade de introduzirmos no ordenamento constitucional a hipótese de uma queixa-crime subsidiária. Em casos como o da pandemia, teríamos tido o apoio dos mais de 200 mil mortos insepultos que clamam por justiça e dos milhões de familiares e amigos. Mas a questão da legitimidade para isso ainda não foi enfrentada. E nada foi feito pelo Ministério Público Federal.
O Dr. Aras fez um excelente e corajoso trabalho contra outra praga: a Lava Jato. Conseguiu, com seriedade, coragem, independência e honradez, vencer o espírito de corpo - um câncer nas instituições - e enfrentou, com muita dignidade, uma pressão para que os seus pares continuassem a abusar das leis e da Constituição, seguindo um projeto de poder criminoso.
Agora estamos, novamente, a lidar com um momento delicado nas investigações feitas pela tentativa de golpe e pelo relatório apresentado e votado no Conselho Nacional de Justiça contra os líderes da Lava Jato.
Pela posição adotada pelo Dr. Paulo Gonet, que já pediu a prisão preventiva de Braga Netto, um general 4 estrelas, ao que tudo indica, a denúncia contra Bolsonaro e seu grupo virá inexoravelmente. A descoberta do plano de matar um ministro do Supremo tem um efeito, talvez, mais forte do que os milhares de bolsonaristas patriotas invadindo as sedes dos Três Poderes. A condenação de mais de 300 pés rapados praticamente exige uma postura contra os líderes da tentativa de golpe e de instituir uma Ditadura no país.
Mas o silêncio do Ministério Público na apuração criminosa contra o chefe da República de Curitiba, o ex-juiz Moro, seu subchefe, o ex-procurador Deltan, e mais os seus procuradores adestrados, é constrangedor e humilhante para a instituição.
Sob a coordenação do ex-corregedor do Conselho Nacional de Justiça - o sério, corajoso e independente ministro Luís Felipe Salomão -, foi feita rigorosa investigação sobre os abusos da Lava Jato. Em 10 de abril de 2024, o delegado da Polícia Federal Elzio Vicente da Silva, em apoio à Corregedoria Nacional, apresentou avassalador relatório imputando aos investigados hipóteses criminais de corrupção, peculato e organização criminosa. O trabalho, sob a supervisão independente do ministro Salomão, depois de idas e vindas, foi levado a julgamento no plenário do CNJ e aprovado.
Leigos, prestem bem atenção: não se trata de um simples relatório da Polícia Federal, o que já seria gravíssimo e mereceria toda a seriedade e rapidez no tratamento de questões tão graves. Não. Estamos falando de um relatório discutido e aprovado pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça! Órgão presidido pelo presidente do Supremo Tribunal, que, por sinal, votou contra a aprovação. Mas o trabalho foi validado pelo colegiado.
Ou seja, no dia 7 de junho, o plenário do CNJ aprovou o relatório. No dia 10 de junho, o Corregedor, ministro Salomão, encaminhou todas as peças ao Supremo Tribunal e ao procurador-geral da República. O Supremo só pode também encaminhar ao PGR, que pode denunciar, pedir novas diligências ou arquivar. É possível imaginar que um relatório aprovado pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça dificilmente comportaria novas diligências, senão os próprios membros teriam pedido. Depois de 7 meses, existe um silêncio ensurdecedor.
Não se discute aqui a postura do procurador-geral, um homem reconhecidamente culto, sério e competente. Assim como era o Dr. Aras, quando optou por não denunciar Bolsonaro, fazendo uso dos seus poderes imperiais. Mas já é hora de discutirmos o sistema constitucional. Não só todos os operadores do direito e os que se debruçam sobre os valores democráticos, mas, especialmente, o Congresso Nacional. À época da CPI da covid, alertei aos senadores que a omissão da PGR com o relatório seria a maior frustração para o povo brasileiro. E foi. Agora, os que acompanham o Poder Judiciário e o Ministério Público sentem o mesmo gosto amargo com o relatório do CNJ.
É como nos ensinou Mario Quintana: “Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
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