Arte coluna opinião 30 janeiro 2025_VERSAO ONLINEArte Paulo Márcio

“O que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.”
Clarice Lispector
Por mais bizarro que possa parecer, o que existe de humanismo em nós, muitas vezes, contraditoriamente, significa nossa maior hipótese de fracasso. O que de humanitário nos comove, eventualmente, é o que nos trai e nos expõe ao ridículo. O debate sobre a deportação de brasileiros dos EUA é uma demonstração evidente dessa estranha contradição. Primeiro, é necessário ressaltar que essa última deportação nada tem a ver, ainda, com Trump. Ele vai piorar! Afirmou em campanha, e esse foi um dos motivos da sua eleição, que fará, no seu governo, uma guerra aberta aos imigrantes. Sob aplausos frenéticos dos trumpistas, a extrema direita inculta e banal.
Porém, essa última deportação reflete o dia a dia da política norte-americana. Assisti a uma entrevista de um jovem expatriado chegando a Belo Horizonte e contando que estava preso, há 8 meses, nos EUA. Afirmou que foi para a América por não gostar do governo do Brasil, criticando, claramente, o governo Lula. Relatou que gastou 30 mil dólares com os “coiotes” para chegar nos EUA via México. Tivesse ele entrado em algum programa social do governo, procurado um emprego no Brasil - que está com índice baixíssimo de desemprego -, ou ficado em Minas com o dinheiro e pegado no cabo de uma enxada numa fazenda no interior, ele não precisaria passar pela humilhação, cadeia e deportação. Remeto-me a Eça de Queiroz: “O orgulho é uma cerca de arame farpado que machuca quem está de ambos os lados (...) É o coração que faz o caráter.”
Mas o que impressiona é que boa parte desses que foram transportados como carga são apoiadores do Trump e bolsonaristas. Mesmo após toda a situação vexatória, chegam no Brasil criticando o governo Lula e com disposição de apoiar os seus algozes. Por isso, é interessante acompanhar o ex-presidente Bolsonaro declarando que é favorável à política de deportação do Trump. E ver o seu filho elogiar a expatriação dos brasileiros, mesmo com a constatação de que os deportados foram submetidos à tortura, à agressão e a uma viagem acorrentados nos pés e algemados.
Esse é um dilema que nos acompanha. A extrema direita fez uma opção pela violência, pela mentira e por certo sadismo que envolve uma irracionalidade de acompanhar, como um rebanho, as políticas que se voltam sempre contra os pretos, os excluídos, os gays, os trans, os imigrantes, as mulheres e os pobres. Enfim, mesmo sabendo que o chicote do fascismo os açoita e protege uma pequena casta, eles, de forma subjugada e covarde, prestam-se a constituir a massa ignara que dá força e voz aos radicais de direita. É como se vivessem em um círculo invisível de giz, sem ar para respirar e com os olhos vendados, mas gostando da mão que os sufoca.
Basta verificar que, hoje, nos EUA, existem 11 milhões de imigrantes sem nenhuma documentação, sendo que 7 milhões são latinos. Em relação aos brasileiros, o país que tem o maior eleitorado fora do Brasil é exatamente os EUA. Nas últimas eleições, o índice de participação foi de 38.56% e, desses, 65.48% votaram no Bolsonaro. E votariam no Trump, se pudessem votar. Mesmo sabendo que essa extrema direita fascista os detesta. Quando me deparo com uma mulher negra, pobre e gay que vota no Bolsonaro e apoia o Trump, a vontade é pedir para parar o mundo e pular da terra plana.
É importante lembrarmos de Bertolt Brecht, no seu poema Os Medos do Regime: “Um estrangeiro, voltando de uma viagem ao Terceiro Reich, ao ser perguntado quem realmente governava lá, respondeu: o medo.” “Por que temem tanto a palavra clara?”, pergunta-se Brecht.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay.