Kakay4dezonlineARTE KIKO

“Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura.”
Pessoa, na pessoa de Caeiro

Andando pelas ruas de Lisboa, especialmente nas madrugadas, é possível sentir a presença de Fernando Pessoa. Dos vários Pessoa. Desde a leveza romântica de Caeiro, com um jeito de Manoel de Barros, até a nota intensa e introspectiva de Bernardo Soares, no monumental Livro do Desassossego, que ainda hoje causa um inquietante desassossego. Nessas pessoas e em tantas outras, Pessoa nos faz caminhar pelo mundo.

Estar em Lisboa nos 90 anos da partida do poeta leva a uma constatação instigante. Pessoa, nas suas múltiplas pessoas, não partiu. Há uma delas, dentre as várias, que optou por nos acompanhar. Talvez por isso Lisboa deixou de ser rural e virou esta vila universal. Penso que não foi o Portugal dominador, desbravador, que estava forte além-mar, que soube se impor no cenário internacional. As disputas internas e internacionais parecem ter um lugar de observação especial e respeito quando a vida se permite, por exemplo, deixar-se levar pela poesia. E Pessoa fez isso como ninguém.

É interessante lembrar que Pessoa chegou a fazer uma peça de publicidade. Em 1927, seu então patrão pediu que ele usasse sua veia poética para fazer um comercial da Coca-Cola. O refrigerante ainda não era vendido em Portugal e queriam começar a explorar o mercado. O grande poeta, que era chegado a uma boa bebida alcoólica, claro, teve uma sacada genial: “Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se”. Na poesia, não se estranha em nenhum momento; desde o primeiro segundo, entranha-se.

Os vários Pessoa andam mesmo por aqui. No país que virou referência para os brasileiros que buscam outros ares, outros mares. Ninguém sai da sua terra simplesmente porque quer. Há um ar de angústia e tristeza em quase todo o desterrado. Algo da tristeza de Florbela Espanca, algo das saudades do nosso Portugal mais antigo. Algo que, por mais tempo que aqui fiquem, não é possível deixar de acompanhar a cada um. Se Portugal hoje é um país festivo e alegre, ainda existe um Portugal fechado e triste. E é na poesia de Pessoa que todos se sentem, de certa forma, aconchegados.
Por isso, nosso poeta nos ensinou: “Ser poeta não é uma opção minha. É a minha maneira de estar sozinho”.

Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay