A primeira coisa a ter em mente é que houve, ao longo do século XIX, um processo em andamento na direção correta realizado por estadistas que conheciam nossas especificidades e o caminho das pedras
Já faz tempo, em 20 de janeiro de 2013, o arguto jornalista Gaudêncio Torquato, publicou no Estadão um artigo intitulado “Mais ação, menos discursos, parlamentares”. Após assinalar a subserviência do Legislativo federal ao Poder Executivo, ele perdeu o eixo ao ironizar o parlamentarismo brasileiro do século XIX. Ele cita o chiste de então (1847): “Na Inglaterra, a rainha reina, mas não governa; no Brasil, o rei reina, governa e rói – reina sobre o Estado, ri do Parlamento e rói o povo”.
Por engraçadinho que seja, o dito tem uma carga absurda de desinformação, inaceitável num articulista do calibre do sr. Torquato, mas que ilustra bem o desconhecimento comum sobre o Império. Numa conversa, eu me recordo de um comentário do historiador José Murilo de Carvalho, 30 anos atrás, sobre o fato de muito aluno de mestrado em História pensar que o Brasil havia começado em 1930, com a revolução e a figura do ditador Getúlio Vargas. Eu mesmo estava nesse bloco até 1980 quando li a História de Dom Pedro II, de Heitor Lyra, em três volumes. Foi aí que me dei conta de que desconhecia muita coisa importante de bem antes de 1930.
Construir instituições que atendam ao bem comum é tarefa hercúlea que poucos países conseguiram. A primeira coisa a ter em mente é que houve, ao longo do século XIX, um processo em andamento na direção correta realizado por estadistas que conheciam nossas especificidades e o caminho das pedras.
José Murilo de Carvalho nos fala do Poder Moderador que propiciava a alternância no poder entre liberais e conservadores por iniciativa do monarca. Ao indicar o chefe da Oposição para realizar as eleições (imperfeitas de então), seu partido acabava por ter maioria, permitindo uma troca incruenta do poder dentro da legalidade. Por não dispor desse mecanismo, a América Hispânica se viu vítima de golpes e ditaduras militares já no início do século XIX, logo após seu processo de independência da Espanha.
Mas vamos ao dito. Afirmar que o rei reina sobre o Estado não bate com o fato de o Brasil ter nascido sob uma Constituição logo após a independência. D. Pedro I e II não reinavam sobre o Estado. Mesmo tendo sido outorgada, o Parlamento tinha poderes efetivos sobre o orçamento. Não era mais possível ao monarca impor leis a seu bel prazer. E muito menos criar impostos e fazer dívidas sem a aprovação do Parlamento, como ocorria sob o regime absolutista. Logo, não dava para rir do Parlamento.
Por fim, o mais importante, não houve nada do tipo roer o povo, expressão que dá a entender que era possível meter a mão no dinheiro público. Dom Pedro II, ao longo de quase meio século de reinado, jamais permitiu que a dotação da Coroa no orçamento do Império fosse aumentada. Saiu de 5% para meio por cento. E ainda utilizava boa parte dos recursos para fins filantrópicos e para conceder bolsas de estudo.
Melhor ainda, os dois partidos do Império tinham programas e votavam no Parlamento de acordo com eles, segundo pesquisa fundamentada do Prof. William Summerhill. Que partido hoje na república passaria neste teste? Nenhum! Era bonito e nada ordinário.
Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: Atualidade de D. Pedro II”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=sbVkB96DckU
Gastão Reis é economista e escritor
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Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira. E-mails: gastaoreis@smart30.com.br// ou gastaoreis2@gmail.com Contatos: (24) 9-8872-8269 ou (24) 2222-8269
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