Pontualidade britânica, sem dia de folga ou reclamação. Assim era Tabeco. Embora se identificasse pelo superlativo de fazendeiro, era dono de um pequeno sítio no alto do morro dos Pretos Forros, ali na divisa de Água Santa e Lins de Vasconcelos. Oito horas, lá ele vinha montado em seu cavalo, trazendo na cangalha dois cestos de laranja para vender. O cão, inseparável e fiel, vinha na frente. Tabeco percorria as ruas do bairro do alto do seu alazão e dali mesmo realizava toda a operação. Eu mesmo nunca o vi apear.
Não usava chicote. E o cão obedecia a ele, mesmo quando o animal tentava se aproximar de oferendas para os santos, que eram deixadas ao longo do caminho, principalmente, às segundas e sextas-feiras.
Ele parecia aquele cavaleiro que costumávamos ver nos velhos filmes de faroeste, mas não usava revólver. Pouco falava, nem precisava. Numa época que não se usava cartão bancário nem ticket refeição, era dinheiro vivo e a fruta entregue na hora.
Ele parecia aquele cavaleiro que costumávamos ver nos velhos filmes de faroeste, mas não usava revólver. Pouco falava, nem precisava. Numa época que não se usava cartão bancário nem ticket refeição, era dinheiro vivo e a fruta entregue na hora.
E como os ponteiros de um relógio analógico, ele seguia seu caminho, pelos mesmos locais, vendendo seus frutos para a mesma gente, no mesmo tempo. De lá subia novamente os Pretos Forros, para voltar na manhã seguinte.
Um dia Tabeco sumiu, assim como o sítio no alto do morro. Nem mesmo o cão, nem o cavalo deixaram rastros. Mas ainda hoje, quando penso nele, me vêm à memória as imagens dos despachos e dos ebós deixados para os orixás da Umbanda e do Candomblé nas muitas encruzilhadas, sobre o chão de terra batida, que tanto atraíam aquele cachorro sem nome.
Era tanta a fartura exposta em alguidares, aquelas tigelas de barro, que só de ver era possível identificar até mesmo a que santo estavam endereçadas. Farofa amarela, milho, frango, cabrito. Tinha pitéu para todos os orixás. Para os Pretos Velhos deixavam até bolo, fubá, café e batata doce. Para Exu não faltava a cachaça, já Ogum preferia a cerveja.
Mas não foi só por lá que essa tradição religiosa desapareceu dos olhos dos passantes. O Braga, amigo meu de muitos anos, frequentador do Alto da Boa Vista, contou para mim que até mesmo no espaço sagrado da Curva do S, no caminho da Floresta da Tijuca, não se vê mais com a mesma frequência ou abundância essas oferendas, cada dia mais raras.
No caso do Tabeco, não sei ao certo como ou quando se deu o desaparecimento, mas o sumiço das oferendas não foi só obra do tempo, mas efeito da carestia, porque cabrito virou iguaria de bacana e até mesmo a farofa amarela e o frango, tão fartas naqueles tempos, para muitos agora é prato requintado.
Com o inverno, as frutas aqui desse principado de Água Santa também desapareceram, os passarinhos tomaram novo rumo e só mesmo um gavião, desavisado, ainda paira por aqui. Viagem perdida, amigo! Volta na primavera.
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