Um pinguim no fogão, esfregando as penasArte: Kiko

Júlio foi avançando no quintal. A patroa cuidava das plantas da varanda e eu, com o frio maltratando a carcaça, estava na cozinha, ao lado do fogão. A lenha fornece um calor fenomenal. Reconheci a voz do amigo e continuei a preparar uns ovos matutinos. Caramba! Foi quando percebi que o pinguim da geladeira estava sobre o fogão! Bolas, amigos, 14º na Água Santa é muito frio. Foi a patroa que lembrou do sobretudo que ganhei, em 2000, para ir devidamente equipado até a Europa. Não quero outro agasalho. Vai do pescoço até as beiras dos tornozelos. Eita!, esqueci do Julio. Nunca aceita o cafezinho que sempre ofereço. Mas, o parceiro foi falando: - Você sumiu, não tenho visto você no quintal, não tenho lido seus textos no jornal... - Nem deu tempo de responder. Foi quando ele reparou na minha indumentária. - Ih, parece um esquimó! - Isso aconteceu lá pelas 7h30 de ontem...

Enquanto ele falava, eu tentava fritar os ovos, bem mexidos, com pedaços de queijo. - Ô amigo, o sobretudo foi a salvação. É oriundo da Marinha, de algum almirante - respondi, tentando explicar a procedência da indumentária. - Mas Júlio, sempre apressado para chegar ao trabalho, me deu um abraço e foi saindo: - Depois falamos. - E se despediu. Acho que foi combinado. Logo chegou o Nelson, mais afastado do grupo, e me encontrou temperando a pequena refeição: - Porque sumiu? Tá doente? Morreu? Tá devendo? Quer ajuda? - Céus, amigos, não deu tempo de responder. E nem de comer. Pronto, chegou Adilsinho, sempre mais calado. - Tudo bem, mermão? - Fred foi o último a chegar. Ah, com uma garrafa de vinho na mão, bonezinho e um par de calçados que me pareceu da Holanda, lembram deles? Parecem tamancos. E ele nem deu bom dia: - Sumiu? Tava preso? Foi sequestrado? - Céus!,- respondi quase sem ser ouvido. - Estive em férias, sumi do mapa, fui pagar promessas e visitar um amigo da Ilha Grande, o Elias, lá da extrema direita, incorrigível, e sem diálogo. - tentei ponderar. - Ninguém ouviu... Bolas, o Elias é amigo de uns 50 ou 60 anos. Não posso mudar ninguém. Tenho certeza de que ele vai mudar, assim como muita gente, e até eu, depois que morremos. Sempre fui extrema esquerda, quando jogava futebol.
Enquanto tentava comer, e socorria o pinguim da geladeira, tive tempo de preparar torradas ao azeite para os amigos. Aqui, tudo acaba em festa, mesmo em dias de frio ou de tempestade. Eis que ouço o barulho de alguém chegando no fim do lanche. A patroa avisou: - Faz mais torradas. Era o Ibiapina, que trajava aquele casaco de couro, cheio de zíperes e bolsos. Nem tive tempo do abraço... - A cerveja tá gelada?