A agenda descarbonizante é uma realidade global e precisa ser encarada de frente. O Pacto Verde europeu não incide apenas em cima de seus países membros, mas puxa parte do restante do mundo nessa mesma direção e joga para escanteio quem não seguir as regras. O que adianta safras recordes brasileiras se podemos não ter espaço para escoar os produtos que não passarem pelo padrão ambiental exigido? E ainda, numa forte concorrência global, se o Brasil não fizer o dever de casa, alguém toma o seu lugar.
Além de cobrar a já apelidada “taxa do mercado de carbono” para entrada no bloco de aço, ferro, alumínio, eletricidade, fertilizantes e cimento, a União Europeia ainda impõe o rastreamento dos produtos agropecuários. O objetivo é impedir a entrada de agropecuários e extrativistas que tenham relação com o processo de desmatamento. E isso vale para toda a cadeia e não somente ao cultivo principal. Ou seja, qualquer traço em um elo mínimo do processo produtivo, já é motivo para o veto.
Assim, os exportadores agrícolas terão incorporado entre as suas atividades a da fiscalização não só sobre seus negócios diretos, mas de todos os que perpassem por ele. Mesmo que estejam com tudo aparentemente certo, podem ser barrados caso, por exemplo, tenham usado adubo ou ração de terceiros com irregularidades socioambientais.
Para inglês ver E não adianta tentar repetir a maquiagem histórica "para inglês ver” – expressão surgida na primeira metade do século 19, quando a Inglaterra, por interesses econômicos, tentou abolir a escravidão no mundo. Na ocasião, o Brasil adotou uma série de leis e medidas só para constar, mas sem efeitos reais. Ou seja, se estabeleceu ai outra realidade burocrática do país: as leis que não pegam.
E como as exigências internacionais não dissociam o ambiental do social, as explorações trabalhistas ou desrespeitos as questões humanitárias durante o processo produtivo, podem ter um peso negativo para as exportações do Brasil.
Trabalho análogo ao escravo As recentes denúncias de trabalho análogo ao escravo não apenas escandaliza o mundo, mas sinaliza que o Brasil ainda convive com a Idade Média e portanto, muito longe das urgentes exigências de adequação. As exigências europeias para o rastreamento da cadeia não restringe ao ambiental, mas com um forte peso social. E não tem faltado denúncias e escândalos envolvendo o Brasil com essas práticas.
Green Deal
O Pacto Verde Europeu pode afetar principalmente as exportações de soja, cacau, café e carne. Estima-se que 80% dos produtos nacionais possam não estar adequados. O que complica ainda mais a situação para Brasil é que o europeu não faz distinção se o desmatamento é considerado legal ou ilegal. Ou seja, de nada adianta tentar “esquentar” a documentação, recurso que já é um velho conhecido da indústria madeireira em que, através de uma série de manobras burocráticas, consegue-se "legalizar" o material fruto da extração irregular. Sendo assim, o recursos de deixar a porteira aberta para a boiada da irregularidade passar não vai adiantar porque depois não vai ter como passar pelo funil da importação europeia.
O Green Deal tem por objetivo tornar a Europa, o primeiro continente neutro em termos climáticos até 2050. A legislação do bloco deixa bem claro, que a empresa para entrar com seus produtos deve apresentar o mapeamento de toda a cadeia produtiva e qualquer traço registrado ou que gere dúvidas já é suficiente para o bloqueio.
No ano passado, antes do endurecimento das exigências ambientais, o Brasil tinha realizado exportações no valor de US$ 18 bilhões para a União Europeia em produtos agropecuários. O setor precisa de adequar o mais rápido possível. Caso contrário, terá que destinar grande parte de sua safra para o mercado interno ou se submeter aos países menos conscientes, que certamente vão querer barganhar e puxar os preços para baixo tentando levar alguma vantagem diante dessa fragilidade brasileira.
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