Rafael NogueiraDivulgação

Poucas palavras expressam tanto sobre uma cultura quanto a palavra saudade expressa da nossa. Em sua intraduzibilidade, ela evoca algo que vai além da melancolia; é a presença do ausente, um desejo permeado pela memória e a antecipação do que nunca foi.
Saudade encontra no português sua expressão mais plena, talvez porque tenha nascido em Portugal, uma terra cuja história é marcada por perdas e separações repetidas como um fado eterno.
As saudades emergem do drama de um povo que muito sofreu e perdeu. Os incessantes ataques dos mouros e, após a Reconquista, as longas viagens marítimas ensinaram os portugueses a conviver com a perda e com a distância. Esse sentimento foi capturado com perfeição por Fernando Pessoa: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!”
Para nós, a saudade se tornou também uma forma de criatividade diante do irreversível. Nascida do confronto com o infinito – do mar, do tempo, da perda –, ela ecoa na poesia de Manuel Bandeira: "A vida inteira que podia ter sido e que não foi".
Mas, ao cruzar o Atlântico, também ganhou nova forma. Deixou de ser apenas nostalgia de um lar perdido para se tornar algo mais amplo: um sentimento de deslocamento, reinvenção e sonho. O brasileiro é um mosaico de três raízes marcadas pela impossibilidade de retorno. O português exilado, que jamais encontrará sua terra como a deixou. O indígena, despojado de sua cosmovisão e da perfeita terra de Tupã. E o africano, arrancado de sua pátria e vendido como mercadoria, desarraigado por violências que o afastaram de casa sem a esperança de um novo lar.
Gonçalves Dias eternizou em versos a saudade à brasileira: “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”. Mas a terra que inspirou esses versos já não existe – nem no espaço, nem no tempo.
No cinema, Central do Brasil transborda de uma saudade ao mesmo tempo melancólica e redentora, uma busca por raízes nunca plenamente encontradas.
Na música, a saudade se manifesta com clareza no samba, na bossa nova e até no rock – ou na ausência dele. Em 1995, a banda brasileira Angra, no álbum Holy Land, criou a música Silence and Distance inspirada pelos épicos dias inaugurais da história luso-brasileira. Em 2008, a banda americana Extreme lançou o álbum Saudades de Rock, título que só poderia ser concebido em português. Nuno Bettencourt, guitarrista orgulhosamente português, deu à obra um tom inconfundível, como se buscasse resgatar algo que o rock já foi e não é mais. Sentimentos assim, só o português consegue expressar.
Talvez a saudade mais peculiar do Brasil seja mesmo a do futuro. Somos um povo que sonha "com o que a gente não viveu ainda", nas palavras de Neymar, que ainda nos deve uma Copa. Quando chegará o Brasil que imaginamos?
Às vezes, é preciso dizer basta – não para extinguir a saudade, mas para transformá-la. Chega de saudade, não como recusa, mas como um ato de coragem de buscar viver o que se pode daquilo que se deseja, com as características únicas do agora. Apenas sonhar com o que poderia ser nos paralisa. Seria bom trazer alguns desses sonhos para a realidade, moldando o futuro que a saudade nos promete. A vida, afinal, consiste nesse gesto ousado de sempre tornar a saudade desnecessária – para que, no futuro, possamos, enfim, ter na mente e no coração algo que valha a pena lembrar.