Rafael Nogueira Divulgação

A história da Igreja é cheia de personagens a nos lembrar que, nos tempos mais sombrios, a fé pode iluminar o mundo. E, em tempos de padres que mais parecem gerentes de ONG do que pastores de almas, João Paulo II continua a nos servir de tocha. Esteve no olho do furacão, combateu tiranos sanguinários, sobreviveu a atentados e ainda achava tempo para deslizar em montanhas nevadas. Era uma força da natureza.
Antes de ser Papa, Karol Wojtya viveu muitas vidas. Foi poeta e dramaturgo – imagine um Bergman polonês com menos miséria existencial e mais esperança. Trabalhava duro, jogava futebol, remava, escalava montanhas. Viu sua pátria esmagada por nazistas e comunistas, mas não perdeu o fôlego. Em plena ocupação nazista, ajudou a preservar a cultura polonesa no Teatro Rapsódico, uma espécie de resistência cultural clandestina. Doutor em filosofia, tornou-se bispo aos 38 anos e arcebispo de Cracóvia aos 43. Os comunistas, claro, o odiavam.
A biografia de George Weigel, Papa João Paulo II: O Fim e o Início, revela esse Papa que, em vez de pedir licença para entrar na história, já veio logo arrombando a porta. Seu papel na derrocada da União Soviética não foi de coadjuvante piedoso: ele estava na linha de frente, munido de teologia, filosofia e uma oratória que fazia tremer generais.
A eleição de João Paulo II foi um daqueles momentos em que a realidade prega peças na ficção. Um polonês, filho de uma terra devastada, rompeu séculos de hegemonia italiana no papado. Em sua primeira encíclica, Redemptor Hominis (1979), deixou claro que seu pontificado não seria um chá das cinco: defendeu a dignidade humana contra as ideologias que viam o homem como massa de manobra ou peça descartável do grande jogo político.
Seu magistério incluiu 14 encíclicas, entre elas Veritatis Splendor (1993), um marco na teologia moral, em que refutava os modismos relativistas da época, Evangelium Vitae (1995), uma defesa enfática da sacralidade da vida, e Fides et Ratio (1998), na qual sustentou que fé e razão não apenas coexistem, mas se completam – um escândalo para tempos que celebram a ignorância ilustrada.
João Paulo II esteve 3 vezes no Brasil, e aqui foi recebido como um rockstar da fé. O Papa era pop. Na primeira visita, em 1980, percorreu 14.000km em 12 dias, passando por 13 cidades. Milhões de brasileiros acompanharam sua passagem. Em 1991, voltou e visitou a irmã Dulce, a futura santa de Salvador. Em 1997, no Rio de Janeiro, participou do II Encontro Mundial das Famílias, onde reforçou a importância da família e condenou aborto e divórcio – sem rodeios, sem panos quentes.
Nos seus últimos anos, João Paulo II enfrentou o Mal de Parkinson sem se esconder. Tornou-se uma figura quase shakespeariana: um homem que já não podia falar, mas cujo silêncio gritava mais alto que qualquer discurso. Seu último aparecimento público foi um espetáculo de fé e resistência.
Morreu em 2005, e o mundo parou. Seis anos depois, Bento XVI o beatificou. O milagre reconhecido foi a cura inexplicável da freira francesa Marie Simon-Pierre, que sofria da mesma doença que debilitou o Papa. Em 2014, veio a canonização pelo Papa Francisco. João Paulo II já não era apenas uma lenda – era um santo.
João Paulo II ergueu um muro, é verdade: o da tradição cristã contra as investidas aparentemente invencíveis do niilismo, do relativismo e do totalitarismo. No Rio, cativou o povo com seu carisma e, sem perder o humor, declarou: "Se Deus é brasileiro, o Papa é carioca". Mas, acrescentou, se estivesse no Rio Grande do Sul, diria que o Papa era gaúcho. Sua sagacidade mostrava que a Igreja não é estrangeira em nenhum lugar.
E, afinal, se Deus é brasileiro, quem ousaria dizer que João Paulo II não é, pelo menos um pouco, nosso também?