Rafael NogueiraDivulgação
Dizem que o Brasil é uma democracia vibrante. Multipartidarismo, eleições a cada dois anos, redes sociais pipocando opinião por segundo, jornalismo investigativo, federalismo — todos os adereços. Mas a prática mesmo é uma bagunça.
Samuel Huntington, mais conhecido pelo polêmico Choque de Civilizações, falou disso em sua verdadeira obra-prima: Ordem Política em Sociedades em Mudança. Para ele, o que diferencia países bem-sucedidos não é a forma ou o regime, mas a capacidade de governar. Democracias e ditaduras, monarquias e repúblicas, podem funcionar ou falhar. O essencial é um governo efetivo: capaz de cumprir decisões, mediar conflitos e processar demandas por meio de instituições sólidas.
Francis Fukuyama, o cara do “fim da história”, teve seus dias de lucidez. Num deles, acertou: boa governança é criar regras, fazê-las cumprir e entregar resultados — independentemente do regime.
É aqui que o Brasil falha.
Crescemos, urbanizamos, botamos todo mundo na escola, criamos cursos de gestão pública. Só esquecemos que isso multiplica as demandas — quem aprende a ler quer emprego melhor, quem anda de ônibus logo quer metrô, quem se acostuma com energia elétrica não volta à lamparina, quem compra um carro exige estrada. E quando a estrutura institucional não acompanha esse apetite coletivo, o que era progresso vira frustração. E a frustração, cedo ou tarde, vira crise.
Para o povo, partido político virou coisa de bandido engravatado. Programas falsos, projetos de fachada. Parecem clubes de amigos disputando fatias do Estado, cuidando para que a briga interna não atrapalhe o saque.
Não é bem assim. Ou melhor: não pode ser.
Huntington avisou: quando a participação cresce mais rápido que a capacidade institucional de processá-la, o resultado não é liberdade — é desordem. Em sociedades modernas, só partidos fortes impedem que a baderna tome o lugar da política.
Sem eles, a democracia degenera numa disputa entre forças agressivas e desestabilizadoras: o judiciarismo dos tribunais, o pretorianismo militar e outros "freelancers" do poder — todos competindo pelo controle do país.
O protagonismo do STF não se deve só à ambição de alguns de seus ministros, mas ao colapso do sistema partidário. Ironicamente, o próprio Tribunal contribuiu — como ao barrar, a pedido do PCdoB, a cláusula de desempenho que poderia ter renovado positivamente o quadro político, retirando de cena os que só querem o fundo.
Sem partidos, sobra o quê? Personalismo, decisões aleatórias, instabilidade. Nada que Hobbes já não tivesse previsto no século XVII: a guerra de todos contra todos, agora com Wi-Fi.
Aliás, nossa fase mais civilizada talvez tenha sido o Império, com seus dois partidos, Conservador e Liberal, que sabiam formar quadros, governar com adversários e sair de cena quando preciso. É dessa cultura institucional que carecemos hoje.
Partidos estruturados são ferramentas eleitorais, mas não só, são também pilares da ordem política civilizada, que não compara o coleguinha com o bigodinho só porque ele pensa diferente. São os partidos que canalizam a participação popular e impedem que a energia social vire tumulto.
Oferecem planos de carreira política, moldam ambições, contêm impulsos autoritários. Funcionam como mediadores de interesses segundo concepções partilhadas de identidade e futuro. Reduzem a fragmentação, facilitam a governabilidade e facilitam a alternância no poder. Transformam sociedades desiguais em comunidades políticas com ordem e liberdade.
Huntington sabia: antes de querer participação, é preciso garantir governo. E o governo começa com instituições que duram.
Se não melhorarmos os partidos, elites continuarão disputando o poder por meio de conflitos destrutivos, entre abusos e surtos de instabilidade. Isso não é democracia. Isso nem sequer é um Estado. É, pura e simplesmente, o caos.
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