Fagner ganha biografia, escrita por Regina Echeverria, que revela brigas e histórias de canções, como 'Borbulhas de Amor' - Acervo Raimundo Fagner
Fagner ganha biografia, escrita por Regina Echeverria, que revela brigas e histórias de canções, como 'Borbulhas de Amor'Acervo Raimundo Fagner
Por RICARDO SCHOTT
Imagine a cena: Fagner e Belchior, em disputa por um casaco emprestado, saem no braço. Briga séria: o autor de 'Paralelas' desfere vários golpes de caratê no seu conterrâneo, que usa uma tesoura para se defender. Não é brincadeira: essa história aconteceu e está no livro 'Raimundo Fagner - Quem Me Levará Sou Eu', biografia do cantor cearense escrita por Regina Echeverria (Ed. Agir, 400 págs, R$ 45).
Fagner e Belchior foram muito próximos no comecinho da carreira, tinham vários amigos em comum (entre eles, nomes do Ceará que também ficariam famosos, como Ednardo e Amelinha) e têm pelo menos um grande hit em parceria ('Mucuripe', gravada nos anos 1970 por Roberto Carlos). Depois dessas brigas a amizade de Fagner com o caratê kid bigodudo nunca mais foi a mesma. Profissionalmente, os dois se reencontraram poucas vezes. A ultima delas foi há onze anos na Festa da Música de Canela (RS).
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"Fizemos uma 'cena', porque as pessoas achavam que éramos os melhores amigos um do outro, e fizeram uma festa por causa da nossa presença lá. Não era nada disso, tivemos uma briga muito violenta", afirma Fagner ao DIA. Ainda assim, bateu uma enorme tristeza pelo sumiço e pela morte do ex-amigo. "Foi um grande parceiro, um cara responsável pela minha vinda de Brasília (onde Fagner morou no começo da carreira). Lamento não termos feito mais músicas. Até procurei o Jorge Mello (amigo e parceiro de Belchior) para ver se ele não tinha deixado poesias".
Inimigos
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Fagner teve diversas brigas ao longo da carreira. Discutiu feio com Caetano Veloso logo no comecinho, foi acusado de plágio pela família da poetisa Cecilia Meireles (por causa do hit 'Canteiros'), teve um rompimento com o amigo Chico Buarque por razões políticas. Regina Echeverria, além do biografado, foi atrás de vários desafetos. "Muitos já nem lembravam mais das brigas e até falaram bem de mim. Mas eu meti a mão, fui atrás", conta o cantor. Regina conta que um desafio do livro foi agendar papos com Fagner, que vive na estrada. "A agenda dele é espantosa para um cantor que vai fazer 70 anos, com o tempo de carreira dele. Além dele, falei com cerca de 60 pessoas", diz a escritora.
Refrão
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Você é compositor e quer ser gravado por Fagner? Capriche no refrão, ou numa frase forte que vire meme. Há fãs que mal sabem que a música conhecida como "coração alado" se chama, na verdade, 'Noturno'. O próprio Fagner refere-se à canção por seu nome não-oficial. 'Guerreiro Menino', canção de Gonzaguinha gravada por ele nos anos 1980, tem um "não dá pra ser feliz" repetido insistentemente no final - e que virou "nome" da faixa.
"Isso vem do rádio. Sempre busquei músicas que tivessem um apelo, algo que pegasse. O Toninho Geraes (sambista) me mandou uma música e falei pra ele: 'Bicho, cadê o refrão? Você é o rei do refrão, fez 'Mulheres' (gravada por Martinho da Vila)'. Acabei eu mesmo botando o refrão na música", revela Fagner que, por causa do apelo popular, certa vez ouviu uma sugestão inusitada de ninguém menos Tim Maia. "O Tim me disse: 'Cara, passa uma brilhantina no cabelo e vai cantar em espanhol!' Mas eu tive esse mercado hispânico na mão e não quis".
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Quem dera...
Se, num show, Fagner não cantar outro de seus sucessos que são mais conhecidos por um verso forte, 'Borbulhas de Amor' (o de "quem dera ser um peixe"), acredite: tem fã que vai reclamar no Procon. Da mesma forma que Chitãozinho e Xororó costumam ser abordados por fãs na rua que cantam 'Evidências', o cearense passa pela mesma situação com seu hit.
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"As pessoas me veem e cantam, fazem coreografias. Tenho uma casa na praia em Fortaleza que já virou ponto turístico, e as pessoas passam lá e cantam a música para mim. Isso acontece por onde eu passo", afirma Fagner, lembrando que a canção, uma versão do poeta Ferreira Gullar para um hit do dominicano Juan Luis Guerra, "quebrou um recorde de rádio no Brasil e ficou sendo uma das mais executadas por doze anos".
Avô
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O livro de Regina não entra na vida amorosa do cantor, que nunca se casou e recentemente descobriu que tem um filho de 45 anos, Bruno, fruto de uma relação curta dos anos 1970. De brinde, Fagner ainda ganhou dois netos, Clara, de nove anos, e Arthur, de sete. A faceta "avô" do cantor abre a biografia.
"Eu tenho dois netos incríveis. O Arthur vai ser artista. Ele é uma coisa de louco com instrumentos, ou cantando. Meu filho comprou uma bateria para ele numa loja, e ele fez um solo que até meu baterista achou incrível", alegra-se. O livro também lembra um outro detalhe esquecido da vida de Fagner: ele já deu uma de ator de novela. Interpretou um padre numa esquecida minissérie da Rede Manchete, 'Rainha da Vida' (1987).
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E o Zico, vai bem?
Surgida por causa do futebol (Fagner sempre gostou de bater uma bolinha), a amizade do cantor com o craque flamenguista Zico gerou projetos em dupla, como o single 'Batuquê de Praia' (1982). A música deveria ter sido gravada em parceria com Martinho da Vila, mas a gravadora do sambista não o liberou. Sobrou para Zico, que foi para o estúdio e, para ganhar coragem, tomou um porre de uísque com água de coco.
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A amizade continua, mesmo com as agendas corridas dos dois. "Pra quê que existe WhatsApp, pô? Ontem mesmo ele me mandou uma mensagem do Japão às 15h. Eram 3h aqui e eu respondi. Ele até falou: 'Não acredito que você tá acordado!'", conta Fagner.