Vitor Isensee lança primeiro disco-soloIlan Vale / Divulgação

Rio - Para toda nova mudança, vem alguma ruptura. Nome conhecido da cena independente carioca no começo dos anos 2000, Vitor Isensee ocupou o posto de guitarrista e tecladista do Forfun até 2015 — ano em que a banda tijucana encerrou suas atividades. No ano seguinte, formou o Braza com os ex-companheiros Danilo Cutrim (voz e guitarra) e Nicolas Christ (bateria), que já tem dois discos na bagagem (com outro em preparação) e será atração do Rock in Rio no dia 3 de outubro. O interesse artístico de Vitor se dá nos deslocamentos e novos encontros que a música também pode promover.
O músico, que adotou o nome artístico Izenzêê, falou ao DIA sobre 'Vida. E nada mais', disco-solo que aponta novos caminhos e explora outras vertentes que soam tão experimentais como familiares.
Como veio a mudança de nome?
Alguns motivos. Primeiro, o nome composto. A ideia não é apagar meu nome, muita gente me conhece assim. Embora seja meu primeiro trabalho solo, tenho livros de poesia publicados onde as pessoas me conhecem pelo meu nome. Quis mudar por três questões: sonoridade, pronúncia e transgressão. A sonoridade tem uma coisa mais forte. A pronúncia veio do nome ser de origem alemã, que é uma cultura que não tenho afinidade. Meus avós são portugueses e, nesse ponto, o nome Sá tem mais influência que Isensee para mim. Por outro lado, sempre o usei por ser diferente. E a transgressão vem porque ele é falado com a letra 'z' e, junto com o acento, me remete às culturas Tupi e Iorubá, dos índios.
Ouvindo o 'Vida. E nada mais', há uma ruptura sonora em relação aos trabalhos com o Forfun e o Braza. Fale mais sobre isso

Essa é uma das minhas intenções, promover uma ruptura. E isso não é querer negar qualquer coisa que eu já tenha feito. O Braza segue a todo vapor, estamos com um disco quase pronto, que deve ser lançado no começo do ano que vem e vamos tocar no Rock in Rio...o que eu quis realmente foi fazer um disco que mostrasse mais a minha cara. Fiz esse álbum totalmente despreocupado com a questão comercial. A gente costuma ter isso no Braza, na época do Forfun também tínhamos, que é soar um pouco mais pop, um pouco mais abrangente. No 'Vida. E nada mais' eu já compus as músicas de uma maneira muito livre. Algumas delas não têm refrão, vão para outro lugar.
O resultado veio por conta da produção do Tomás Troia (El Efecto, Duda Beat), que foi muito baseada na música eletrônica. Ouvimos muita coisa por pesquisa, o Tomás trouxe sons de sintetizadores, foi tudo menos orgânico. Ao mesmo tempo, eu sou o mesmo compositor de antes. Muitas coisas das letras podem remeter a outros trabalhos. E é isso, a mudança veio por eu querer seguir esse caminho, sem nenhum desdém por coisas feitas no passado.
Há uma influência forte do rap nesse disco, não?

Acho que o rap surge de forma espontânea e transgressiva, é um dos desdobramentos da música negra, que veio da necessidade de afirmação e combate, até onde sei e pesquisei. Mas o próprio termo rap, o ritmo e poesia, dá a entender que qualquer coisa que tenha poesia e ritmo esteja neste espectro. O rap surge da contestação do sistema. Sou um homem branco e de classe média, então tenho que ter cuidado sobre a forma que abordo isso. Deixo a cargo do ouvinte afirmar isso, mas o rap sempre foi influência para mim. Desde moleque eu ouvia Planet Hemp, O Rappa, Racionais MCs...o 'Sobrevivendo no inferno' (disco seminal do Racionais MCs) foi emblemático, ouvi de trás para frente.
E desde moleque, eu fazia letras como paródias de sucesso da época em forma de rap. Minha primeira experiência surge a partir desse universo. Ali em 1995 em diante, o funk foi forte também, como o Claudinho e Buchecha, que tinham letras longas e eu gostava de decorá-las.  Tanto no Forfun quanto no Braza acho que há essa influência da canção rappeada, usando uma forma de cantar mais falada do que sobre melodias. Talvez agora essa influência esteja mais explícita.
Como decidiu pela produção do Tomás Troia?

Eu já conhecia o Tomás há bastante tempo, bota aí quase dez anos. Ele tinha uma banda chamada R.Sigma, que não é exatamente contemporânea do Forfun, mas tocamos juntos. Depois disso, a gente continuou se encontrando. Ele participou da produção de um disco de um amigo, e nessa época nos aproximamos mais ainda. Quando comecei os movimentos para gravar o disco, de início o Sebastian (Piráces-Ugarte) do Francisco, el Hombre seria o produtor. Mas ele mora em São Paulo e a banda dele está bombada, cheia de show. Então pensei no Tomás, e ele ficou pilhado e fomos fazer.
O 'Vida. E nada mais' ia ser um EP, com cinco músicas, só que era fim de ano, o Braza também estava lançando um EP... aí resolvi deixar pra 2019 e pensamos em fazer virar um disco. Eu já admirava o trabalho do Tomás, no El Efecto, no disco do Castello Branco, na Duda Beat... e achei que era uma boa opção. Sinceramente, imaginava uma coisa mais orgânica e ele levou para um lado mais eletrônico. Não foi um ponto de virada, foi um ponto de ouvido, digamos, como se eu tivesse entregado o trabalho de bermuda e camiseta e ele tivesse colocado uma calça e camisa mais maneiras nele (risos). Ele só somou e trouxe um frescor novo para tudo.

E como se deram as participações do disco?
Todas essas pessoas eu já conhecia antes, de amizade mesmo. Tudo foi surgindo de forma natural. A Duda e o Castello vieram pela proximidade com o Tomás. A Duda, por exemplo, eu pensei quando ela estava gravando o disco dela. Já tinha essa vontade de fazer algo, mas acabou não acontecendo. Ela ouviu a música que participa, chamada 'A graça', e pediu para fazer um refrão. Topei na hora e ela fechou a música. Com o Castello, foi parecido. Estava com uma música encaminhada, 'Coração na boca', mas ela precisava de um refrão, segundo o Tomás. Eu concordei, liguei para o Castello e ele já tinha o refrão e combinou perfeitamente.
A Luê já era minha amiga, por conta da galera da Francisco, el Hombre. 'Primavera dormindo' tem uma letra mais densa, profunda, que fala mais da questão social, cita o nome da vereadora assassinada Marielle Franco...inclusive fiz essa música por conta desse acontecimento. Queria uma voz feminina e a Luê tem um grande talento musical. O Morcego é de uma geração mais nova, que já tem faixas de sucesso aos 23 anos. Acho que ele tem um talento muito grande, do flow que ela traz do rap, ao mesmo tempo com uma foz muito bonita. É um Djonga com Seu Jorge, que tem essa pegada mais trap. E o Tomás veio em 'Cada cor', com o instrumental que eu coloquei a letra. Isso caracteriza uma participação e fizemos.

Há planos para shows ou turnê?

Eu estou entendendo isso tudo agora. Estou vendo se consigo fazer Rio e São Paulo, embora não tenha data marcada. Mas não quero colocar a carroça na frente dos bois. Começamos a ensaiar agora, eu e Tomás, mas minha agenda tem muita coisa rolando, vamos tocar no Rock in Rio e o Tomás também tem agenda cheia. Não queremos fazer de qualquer jeito. Tem muita gente que faz disco pensando no show, mas não tive a preocupação de parar e pensar o show com o disco. Então não tem nada pronto, mas a ideia é cair dentro e conciliar os projetos.
'Vida. E nada mais' está disponível nas plataformas de streaming e no Youtube