Dani CalabresaReprodução

Rio - A humorista Dani Calabresa, de 41 anos, e mais quatro mulheres que acusam o ex-diretor Marcius Melhem, 51, de assédio sexual falaram abertamente sobre o caso em entrevista ao colunista Guilherme Amado, do "Metropoles". Além das profissionais, sete testemunhas também participaram da reportagem, publicada nesta sexta-feira. 
Marcius Melhem era o diretor do Núcleo de Humor da TV Globo quando foi denunciado por Dani Calabresa ao compliance da emissora, em 2019. Um inquérito policial foi aberto em 2020 pela Delegacia da Mulher do Rio de Janeiro para apurar as denúncias. O ex-diretor também move um processo por danos morais contra Dani Calabresa. 
Além de Dani, Renata Ricci, Georgiana Góes, Veronica Debom, Maria Clara Gueiros, as roteiristas Luciana Fregolente e Carolina Warchavsky, os diretores Cininha de Paula e Mauro Farias, e os atores Marcelo Adnet e Eduardo Sterblicht falaram sobre o caso. 
As acusadoras e as testemunhas contaram que Marcius Melhem tentava mantê-las sobre seu domínio, impedindo que elas participassem de outros projetos, como novelas. Ainda segundo elas, Melhem também incentivava que não só as mulheres mas vários profissionais estivessem sempre com uma "dívida de gratidão" com ele. O humorista também foi acusado de encostar o pênis ereto nas atrizes durante as cenas e forçar a língua em beijos que seriam técnicos.
"Estava insustentável trabalhar em um ambiente em que eu comecei a perceber que eu era barrada dos convites; que eu não era liberada para as coisas; que eu estava trabalhando com tremedeira; que ele se aproveita das brincadeiras para brincar ereto; que ele pega de verdade; ele tenta enfiar a língua de verdade. Não é selinho, não é piada, não é brincadeira", disse Dani Calabresa. 
"Quando saiu na imprensa a notícia sobre o assédio sofrido pela Dani, eu entendi todos os comportamentos típicos de assédio que estavam acontecendo, tudo o que eu tinha ouvido falar quando comecei na TV Globo. Eu entendi que era verdade, que eu tentei bloquear um tempo como se não fosse", afirmou a roteirista Carolina Warchavsky.
Maria Clara Gueiros, Eduardo Sterblicht e Marcelo Adnet, os diretores Cininha de Paula e Mauro Farias e as roteiristas Carolina Warchavsky e Luciana Fregolente disseram que o ambiente de trabalho era tóxico e que o assédio se confundia com piadas e brincadeiras. 
"O que me chamava mais atenção era uma certa falta de vida pessoal. Ele queria transformar aquela coisa do trabalho, a espontaneidade das relações profissionais, para a vida dele", disse Marcelo Adnet. "Para mim o ambiente do Núcleo de Humor da Globo era muito divertido, mas tinham momentos de constrangimento, que eu demorei para entender que não eram normais e tinham o nome de assédio", afirmou Georgiana Góes. 
Versão de Marcius Melhem
Marcius Melhem também foi ouvido pela reportagem e admitiu ter cometido erros e passado do ponto com Dani Calabresa, mas reafirmou que não cometeu assédio. "Tem gente que publica essa carta do compliance dizendo que a TV Globo comprovou um assédio que não existe. A carta da emissora não fala em assédio. Eu cometi erros — eu assumo que cometi — eu nunca disse que eu não cometi erros. Eu falei exaustivamente, várias vezes, que eu acho que cometi erros", disse o ex-diretor. 
Ele confirmou ter insistido em conquistar Dani Calabresa e foi questionado se não sabia que a insistência e as repetidas tentativas frustradas categorizam assédio. Melhem afirmou que Dani Calabresa nunca disse não e que entendia as mensagens da atriz como uma sinalização para ele prosseguir. 
"Ela [Dani Calabresa] nunca me disse ‘não’. Só disse ‘sim’. Você não pode desdizer que você tinha uma intimidade, que você brincava. Se a Dani Calabresa tivesse me dito em qualquer momento: ‘Não, não quero’, ou dado a entender isso, eu teria parado imediatamente. Ela me dava sinais repetidos de que existia uma intimidade entre nós, de que podia acontecer", afirmou. 
Dani Calabresa, então, explicou que se sentia constrangida e não queria criar uma situação com o chefe. Por isso, a humorista respondia as mensagens dele em tom de brincadeira. "Não tem um manual de instrução para lidar com uma situação que te deixa constrangido. Cada uma lida de um jeito, né? Eu lidava com brincadeira, sabe? Ele falava: ‘Tá gata’. Eu respondia: ‘Deus te pague’, ‘É porque você não viu o buço’, ‘Sai tudo no banho, a maquiagem sai’, ‘Ai Deus te pague. Obrigada pelo elogio, mas é um amigão’. Mas tenta se colocar no meu lugar. Eu amava trabalhar nesse ambiente e para não criar uma briga com o meu chefe, eu fingia que achava engraçado. Eu cortava ele pessoalmente e compensava na mensagem", disse. 
"Eu também não queria comprar briga com o chefe, porque eu amo trabalhar. Então, comprar briga com ele, sabe? Custaria mesmo a minha carreira. Só que chegou um ponto que eu queria sair. Para mim, eu não tinha medo de sair. Eu tinha medo de ficar", completou. 
Saída de Melhem da Globo
Marcius Melhem deixou a TV Globo meses após a denúncia de Dani Calabresa e outras profissionais ao compliance da emissora. O caso só chegou à mídia em dezembro de 2020. Foi então que a Polícia Civil decidiu instaurar um inquérito. Na ocasião, a TV Globo disse à Delegacia da Mulher que decidiu afastar Marcius Melhem porque sua postura não era condizente com os "os princípios e valores da empresa". 
A emissora também não citou as acusações de assédio no comunicado enviado para a imprensa anunciando o afastamento do então diretor de humor. "Quando eu perguntei para a TV Globo na época qual é a prova que eu tenho então que não houve assédio?. Eles responderam: ‘A prova que você tem é a sua saída com todos os direitos e com a sua carteira de trabalho limpa'", relatou Melhem. 
Questionada pelo "Metropoles" sobre esta última declaração de Melhem, a Globo disse através de sua Comunicação que "sempre que solicitada, forneceu às autoridades todas as informações sobre o caso, que refletem precisamente o que ocorreu à época no processo de compliance e no desligamento de Marcius Melhem". 
A emissora também enviou uma nota sobre como lidou com as acusações que foram feitas pelas profissionais ao compliance da empresa. 
"A Globo não comenta casos levados ao seu Compliance e aproveita para reiterar que a empresa mantém um Código de Ética em linha com as melhores práticas atualmente adotadas, que proíbe terminantemente o assédio e deve ser cumprido por todos os colaboradores, em todas as áreas da empresa – e em nenhuma delas é tolerada qualquer forma de assédio. Da mesma maneira, a Globo mantém uma Ouvidoria pronta para receber quaisquer relatos de violação de seu Código de Ética, que são apurados criteriosamente, com a punição dos responsáveis por desvios. Nesse mesmo Código, assumimos o compromisso de sigilo em relação a todos os relatos de Compliance, razão pela qual não fazemos comentários sobre as apurações. Nosso sistema de Compliance também prevê o apoio integral aos relatantes, proibindo qualquer forma de retaliação em razão das denúncias".