Foto emoldurada de Marília Pêra na Praça XVReprodução / Instagram

Rio – O quadro com a foto da atriz Marília Pêra (1943-2015), que recepcionava o público da sala que levava seu nome no antigo Teatro Leblon, foi encontrada à venda na feira de antiguidades da Praça XV, no Centro do Rio. O objeto também foi usado no velório da artista, que morreu aos 72 anos em 2015, vítima de um câncer no pulmão. O mesmo quadro esteve no velório da intérprete. A irmã dela, Sandra Pêra, compartilhou, neste domingo (11), um desabafo comentando sobre a situação.
"Chocada, indignada! De repente, começo a receber essas imagens. A foto de minha irmã exposta em uma banca. Pelo menos para o vendedor, deve ter algum valor. Quando da inauguração de vários teatros que pertenciam ao Wilson [Rodriguez, fundador do local], ele sempre expressou a vontade de colocar o nome Marília Pêra e ela sempre o impediu. Pedia que colocasse, então, o nome de nosso pai, Manoel Pêra, um grande ator apagado da história. Ele inaugurou o Teatro do Leblon sem o nome dela", afirmou.
"Até que ao abrir o segundo teatro e colocar o nome da Fernanda, ela então concordou com Sala Marília e pediram muito uma foto para a porta. Mas vieram os apertos, as dificuldades e infelizmente a sala vira igreja. E claro, o que fazer com essa foto que está aqui? Provavelmente foi para um lixão e alguém catou e lá está em uma banca da praça à venda com outras 'coisitas'. Estou com o coração apertado. Penso nos escritos de Tetê Medina jogados em um lixão, nas agendas de Beth Lago jogadas em um lixão da Lagoa... Lembremos todos é para lá que vai a nossa cultura, sem carinho e sem coberta", escreveu.
'Descaso'
O bailarino e coreógrafo Manoel Francisco, que era amigo de Marília, lamentou o "descaso". Ele trabalhou no espetáculo "A Garota do Biquíni Vermelho", que a artista dirigiu em 2010.
"Eu estava lá, obviamente, no velório da Marília, me lembro muito bem dessa foto, me lembro muito bem da foto em várias ocasiões em que eu pude frequentar o Teatro Leblon e a Sala Marília Pêra. Agora, acho muito irônico, trágico, que quando isso tudo terminou, quando essa sala foi fechada, que alguém tenha permitido que uma obra, uma fotografia tão valiosa, tão significativa, tão cheia de símbolos, alguém olhou para aquilo e falou isso aqui não vale nada e deu cabo, deu fim, tanto que foi parar no chão da Praça XV", afirmou.
"Essa foto tinha que estar emoldurada em ouro, numa parede muito valiosa, num enorme teatro do país. Não podia estar abandonado, então é uma tragédia. Trata-se ainda a arte como se a arte fosse uma coisa excêntrica. Quando há dinheiro, investe-se na arte, dinheiro sobrando-se, não deixa lá quieto mesmo, porque a arte é uma coisa que não faz falta, não é uma coisa necessária o tempo todo, segundo várias pessoas que fazem a gestão da cultura. Quando, na verdade, um país sem arte não tem identidade e não tem caráter. Qualquer país do mundo grandioso, principalmente os do primeiro mundo, só se constituíram através de uma identidade artística muito forte."
Manoel, no entanto, fez questão de exaltar o legado da atriz. "Apesar do maltrato, do descuido e do descaso, a grandeza, o tamanho gigantesco, único, particular e peculiar de Marília Pêra, esse não vai ficar abalado, não vai se mexer, não vai diminuir, não vai apequenar, porque infelizmente as gerações mais novas não vão ter o imenso prazer de vê-la em cena, como eu vi muitas vezes, ou trabalhar com ela. Marília Pêra é eterna, Marília Pêra é grandiosa, Marília Pêra era uma mulher amorosa, cuidadosa, gentil e muito séria no trabalho", concluiu.
O produtor cultural João Luiz Azevedo, que trabalhou no Teatro do Leblon por 14 meses, em 1998 e 1999, avaliou que o objeto poderia ter sido guardado antes da venda do espaço.
"Durante todo o período que o teatro esteve aberto, o Wilson manteve, com toda a dignidade, não só o teatro como aqueles quadros. Quando você vende um imóvel, normalmente, tudo que está dentro dele – e aí vem quadros, poltronas, tapetes – vai junto. Claro que a gente não pode comparar um lustre, um carpete, com a imagem de Marília Pêra. Quando se vende o imóvel, vai tudo junto. Ele poderia ter tido o cuidado, tanto da Marília quanto da Fernanda. Mas certamente, não teve esse cuidado. Por outro lado, com certeza não foi o vendedor da Praça XV que foi lá buscar esse quadro. Ele certamente vendeu para alguém, e esse alguém, depois de um tempo, repassou a um antiquário. Pelo menos, eu entendo isso. Agora, é lamentável. A imagem de Marília Pêra deveria ser mais respeitada."
Fundada em 19 de abril de 1994, a Sala Marília Pêra, do Teatro do Leblon, era localizada dentro de uma galeria na Rua Conde de Bernadotte. Após anos de crise financeira, ela fechou as portas em 2022 e foi vendida em 2023 para a Igreja Lagoinha Zona Sul, comandada no Rio pelo pastor Felippe Valadão.
* Reportagem de Gabriel Salotti e Mylena Moura, sob supervisão de Raphael Perucci