Aprovação da medida aconteceu na primeira sessão com o novo presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Aprovação da medida aconteceu na primeira sessão com o novo presidente da Câmara dos Deputados Arthur LiraPablo Valadares/Câmara dos Deputados
Por Maria Clara Matturo*
Rio - Na primeira votação de relevância desde que Arthur Lira (Progressistas) assumiu a presidência da Câmara dos Deputados, a casa aprovou por 339 a 114 votos o projeto que garante autonomia ao Banco Central. Nesta segunda-feira, o ministro da Economia Paulo Guedes já tinha se mostrado esperançoso quanto à aprovação da proposta e afirmou que a autonomia do BC é "fundamental para a estabilidade monetária", além de ser sinônimo de "garantia de estabilidade monetária para o povo brasileiro". Em resumo, a medida visa garantir uma política apartidária para a instituição. Durante a sessão, o projeto dividiu opiniões no plenário.
O deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que a independência política do BC "trará impacto positivo para o trabalhador, para o endividado, para todos que estão em dificuldade, com menos juros e melhoria de serviços bancários". Enquanto o opositor, Orlando Silva (PCdoB-SP) atribuiu a falta de credibilidade do país ao presidente da República: "Não haverá um investidor no mundo, no Brasil, enquanto o Bolsonaro for presidente porque Bolsonaro não transmite credibilidade para nenhum investidor".
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A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também foi contrária a proposta, alegando que ela deve beneficiar apenas os donos de bancos privados: "Autonomia de quem? São nove diretores que decidem política de juros, juros que a classe média paga em patamares assustadoramente altos. Vão trabalhar sem nenhuma ingerência, controle e fiscalização do poder público".
O que muda caso o projeto entre em vigência?
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Caso a lei seja aprovada e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a instituição passará a ter autonomia operacional, administrativa e financeira. A entidade que hoje é vinculada ao Ministério da Economia deve passar a responder como uma autarquia de natureza especial, sem nenhuma hierarquia vinculada.
"Dentre outras coisas, isso acarretará que a presidência e diretoria do BC passarão a ficar em seus cargos por quatro anos não coincidentes com o mandato do presidente da República. Pela nova regra, os mandatos devem começar sempre no primeiro dia útil do terceiro ano de cada nova gestão federal. Ou seja, durante os dois anos iniciais de mandato o Presidência da República terá de conviver com uma diretoria indicada pelo presidente anterior. E mesmo a que indicar no terceiro, não poderá demiti-la", explicou o economista Sérgio Motta.
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A proposta também impõe como base zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.
Mas afinal, a mudança é positiva ou negativa?
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Para o economista Bernardo Lírio, a aprovação da medida é positiva para o cenário econômico do Brasil. "O banco central já é um autônomo nas suas decisões, o presidente tem autonomia para tomar as decisões com base no conselho monetário nacional. A medida visa diminuir a influência politico partidária do governo sobre a instituição, na qual hoje o presidente é indicado pelo governo. Um dos pontos positivos nessa medida seria que as politicas monetárias teriam mais credibilidade, uma vez que não são influenciadas pelo governo. Essa medida é vista com bons olhos no mercado", afirmou. 
Pela visão de Ricardo Macedo, economista e professor do Ibmec RJ, somente a formalização do projeto não será suficiente. "Mediante a visão que temos hoje do Ministério da Economia a autonomia tem que vir acompanhada de um ajuste fiscal, isso facilitaria muito o trabalho da política monetária porque as expectativas estariam ancoradas dado que o governo tem responsabilidade nas contas, mas o momento hoje não garante isso", finalizou.
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Outro contraponto levantado pelo economista José Luís Fevereiro é que essa independência poderia colocar a democracia em risco, possibilitando que a diretoria do BC encaminhasse a instituição para uma política econômica diferente do proposto pelo governo em vigência. 
"A 'autonomia' na verdade significa colocar o Banco Central, instrumento importantíssimo para fazer política econômica, fora da alçada do governo eleito. Fora, portanto, do controle democrático. O povo vai continuar escolhendo o presidente da República e este montará o seu governo, mas não poderá contar com o BC para implementar o programa que o povo elegeu. Esse projeto pode ter como consequência um governo remando numa direção e o Banco Central remando na direção oposta. Nada mais instável que isso".
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A "estabilidade monetária" enfatizada por Paulo Guedes
No momento em que o ministro da Economia comentou sobre o projeto de autonomia do BC com a imprensa, ele reforçou em sua fala que a mudança teria como ponto principal trazer a "estabilidade monetária para o povo brasileiro". Segundo a professora Lucia Helena, da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, a fala do ministro é reflexo de uma visão ultrapassada do cenário econômico. 
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"Essa visão de que a política monetária é a coisa mais importante que o Banco Central tem que fazer é uma leitura antiga, baseada numa teoria monetarista que caiu em desuso e está ultrapassada. Quando o ministro menciona que agora o BC vai cuidar da estabilidade monetária ele revela que parou de estudar nos anos 70, quando realmente o professor dele ensinava que a quantidade de moeda na economia era muito importante para definir o nível de preço. A teoria evoluiu, a realidade evoluiu, os fenômenos econômicos se tornaram muito mais complexos, algumas teorias foram falsificadas pela realidade. A relação entre política fiscal de gastos, de estímulo econômico e política monetária é muito intima, não só na teoria como na experiência de países bem sucedidos nessa questão". 
A professora reforçou, ainda, que o projeto não seria suficiente para atrair a confiança dos investidores internacionais. "Outra coisa quando ele insiste nesse ponto, entendendo que a função do banco é só essa revela que os ensinamentos que ele utiliza para gerir a economia são ultrapassados. Ele vende essa ideia para a imprensa de que os investimentos vão voltar,  mas nós ouvimos o mesmo discurso com a reforma trabalhista, com a reforma da presidência e isso não aconteceu, muito pelo contrário. Essa confiança só virá quando o país de fato encontrar condições de funcionamento dentro da normalidade, nas condições que o país é governado hoje o capital não vem", ponderou. 
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A opinião da professora foi reforçada pelo deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), que também apontou o atual governo como justificativa para a falta de credibilidade da economia brasileira: "O Brasil está há mais de 25 anos com estabilidade monetária sem ter um Banco Central independente. Mais uma vez o Ministro da Economia desinforma para aprovar algum projeto na Câmara. O que garantirá a estabilidade monetária, bem como a estabilidade social, é um governo que atue para resolver os problemas imediatos da população ao invés de propalar mentiras e desinformações". 
O que pensa a oposição
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O projeto de independência do Banco Central é um divisor de opiniões na política do país. O deputado federal Marcelo Freixo (Psol) se posicionou contra a medida, que segundo ele, não é a prioridade no momento. 
"O primeiro problema é que não houve debate, o projeto, que provocará profundos impactos na vida das pessoas, foi votado em apenas dois dias. Hoje, a política econômica já excessivamente influenciada pelos bancos, os brasileiros que estão endividados e pagam juros extorsivos sabem bem disso. Com a aprovação da autonomia, essa submissão se tornará oficial, o Banco Central será um enclave do mercado financeiro dentro dos governos. É entregar definitivamente a chave do galinheiro à raposa", justificou. 
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Outro parlamentar que apresentou uma opinião contrária ao projeto foi o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ). Para ele, o Brasil teria outras prioridades no momento.
"Esta não é uma pauta prioritária para o país, que necessita urgentemente aprovar um auxílio emergencial para os afetados pela pandemia e garantir a vacinação de toda a população. A proposta em tramitação no Congresso vai minar a capacidade do Poder Executivo de executar políticas fiscais e monetárias necessárias para atender as demandas da população, visando a redução das desigualdades no país. Como consequência, se virar lei, a autonomia do Banco Central irá aprofundar ainda mais o abismo social entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil", concluiu. 
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*estagiária sob supervisão de Marina Cardoso