A começou a valer para o Distrito Federal e cidades com mais de cinco milhões de habitantes, como o Rio de JaneiroFoto: SECOM

Por Maria Clara Matturo*
Rio - Desde o dia 1° de março, uma resolução do Ministério da Economia, que dispensa alvarás de aprovação, execução e habite-se para obras e edificações consideradas de baixo risco começou a valer para o Distrito Federal e cidades com mais de cinco milhões de habitantes, como o Rio de Janeiro. No entanto, deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ) deu entrada na Câmara dos Deputados com o Projeto de Decreto Legislativo 4/21 para suspender os efeitos da decisão. Por ora, o projeto está em tramitação na casa e a resolução segue valendo. 
O argumento do parlamentar é de que "a norma estimula construções ilegais uma vez que simplifica de forma desmedida a obtenção de licenciamento. Sobretudo, apresenta riscos ao Direito Urbanístico e pode gerar impactos sociais e ambientais graves e irremediáveis às cidades brasileiras, além de aumentar a desordem urbana". O deputado reforçou, ainda, que "a resolução fragiliza a fiscalização uma vez que dispensa a vistoria efetuada pela prefeitura para a expedição do habite-se". 
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Mas afinal, o que significa a resolução do governo?
Segundo o governo, o objetivo principal dessa medida é diminuir as burocracias sobre o licenciamento de obras no país e incentivar pequenos empreendedores.
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Em resumo, o texto classifica as construções de baixo risco em duas categorias (A e B). Na primeira, não haverá necessidade de licenciamento da obra, bastando ao responsável preencher uma auto-declaração em um portal a ser disponibilizado.

Para as obras da categoria B, o alvará de construção e o “habite-se” serão liberados automaticamente, também de forma online, mas nesse caso com a apresentação de certos documentos.
"A premissa desta resolução, que segue os princípios da Lei de Liberdade Econômica, é desburocratizar no sentido de facilitar e criar incentivos aos pequenos empreendedores, que sempre encontram empecilhos na obtenção, por exemplo, de licenças e alvarás para promover suas pequenas construções. Veja que todo o processo de autorização de obra será realizado pela internet e, teoricamente, poderá ser concluído em apenas um dia. Com esta resolução, a tendência é vermos um movimento maior no mercado imobiliário direcionado à estes empreendedores e demais interessados", explicou o advogado especialista em direito imobiliário Leandro Sender.
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Para David Gurevitz, engenheiro, diretor do Grupo Delphi, especializado em autovistoria predial, a medida pode ser sinônimo de riscos. "Como esta resolução deixa a cargo de estados e municípios decidirem o que é obra de risco, na prática, poderemos ter um grande aumento de risco em relação às construções e padrões bem diferentes nos diversos estados e municípios. Quem garante que houve a real intervenção do engenheiro ou arquiteto no projeto e na obra, se não necessitar de alvará e habite-se na obra?". 
Caso o Projeto de Decreto 4/21 seja aprovado, o que muda?
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No caso de aprovação do projeto do deputado Paulo Ramos, as flexibilizações citadas acima seriam suspensas. Para o parlamentar, além de não discutir as questões tratadas na resolução com órgãos técnicos, como os conselhos de arquitetura e engenharia civil, o governo invadiu a competência constitucional dos municípios, responsáveis pelas normas de ordenamento territorial e controle do uso e ocupação do solo.

“A facilidade e o descontrole na obtenção desses licenciamentos certamente aumentarão a desordem urbana além de submeter a população a riscos evitáveis e desnecessários”, disse Ramos.
O que pensam os especialistas
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O engenheiro David Gurevitz deu um parecer a favor do decreto que susta os efeitos da Resolução. Segundo ele, essas flexibilizações podem aumentar o número de acidentes e também o custo de manutenção dos imóveis.
"Já temos muitos problemas na construção civil, que não são fiscalizados, imagine se não houver responsabilidade legal? Realizamos vistorias em mais de 5 mil edificações no Rio de Janeiro e encontramos muitos vícios construtivos, isto com alvarás, habite-se, ART, etc. O desconhecimento das normativas (NBR's da construção civil), implicará em muito mais acidentes e aumento de custo na manutenção dos imóveis mal construídos, pois alguns problemas de vícios construtivos só serão detectados após alguns anos da entrega dos imóveis", ponderou. 
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Guretivz alertou, ainda, para possíveis fraudes que podem ser intensificadas. "Poderão ocorrer muitas fraudes contra as prefeituras e contra os proprietários. Por exemplo, você registra um edificação com 200m2, e depois constrói com 400m2. Assim, pagará IPTU sobre 200m2, fraudando a prefeitura. E o contrário também é verdadeiro. Já vimos casos da construtora vender um imóvel em construção com 180m2 na planta, e depois na construção entregar um imóvel de 150m2, fraudando o comprador, e ainda aumento o IPTU que o comprador irá pagar".
Já o o advogado especialista em direito imobiliário Leandro Sender, acredita que a resolução traria benefícios à população, mas que é essencial ver a aplicação deste decreto na prática. 
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"A grande questão inerente à Resolução é uma possível invasão nas atribuições da Prefeitura, já que compete à ela o dever de fiscalizar e licenciar obras. Apesar de entender que a resolução poderá trazer benefícios à população, precisaremos aguardar o desfecho do PDL 4/2021 e a aplicação do decreto para analisarmos na prática seu funcionamento", afirmou. 
Por fim, o Diretor de Condomínio e Locação da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) Marcelo Borges argumenta que os licenciamentos são medidas de segurança para a população. 
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"Entendemos que essa resolução deverá ser amplamente discutida na sociedade, pois devemos sempre ponderar a possibilidade de abusos e a insegurança causada por edificações mal construídas. A aprovação e concessão de Habite-se são elementos de salvaguarda aos cidadãos, tendo em vista a certeza de uma fiscalização para licenciamento de uma edificação, razão pela qual somos favoráveis a uma análise clara das intenções do Ministério da Economia", concluiu.
*Estagiária sob supervisão de Marina Cardoso