Viviane: 'Falo, sem vergonha, que tem dias que a gente não tem pão'
Viviane: 'Falo, sem vergonha, que tem dias que a gente não tem pão'O DIA
Por Maria Nobre*
Neste sábado, 1° de maio, é celebrado o Dia Internacional do Trabalhador. Entretanto, mais de um ano após o início da pandemia, as incertezas acerca do futuro dos trabalhadores brasileiros só aumentam. Despensa vazia e falta de emprego fixo são aspectos que passaram a fazer parte da rotina de muitos. De acordo com dados recentes da consultoria financeira Acordo Certo, 84% dos brasileiros perderam, ou conhecem alguém que perdeu o emprego na pandemia. Esse cenário é reforçado pela estimativa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última sexta-feira. Segundo o órgão, 14,4 milhões de cidadãos estão desempregados no país.
Com a diminuição no valor do auxílio emergencial, a piora da pandemia e o índice de desemprego batendo mais um recorde, as comemorações serão deixadas de lado mais um ano. Viviane Souza, de 42 anos, moradora do bairro Engenho da Rainha, na Zona Norte do Rio, conta que a situação não é nada fácil. Antes da pandemia, ela trabalhava na área de buffet, mas acabou sendo mandada embora devido à falta de demanda. Desde então, tem divulgado seus serviços de faxina e culinária, mas afirma que está cada vez mais difícil.
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Viviane: 'Falo, sem vergonha, que tem dias que a gente não tem pão' - O DIA
Viviane: 'Falo, sem vergonha, que tem dias que a gente não tem pão'O DIA
“As coisas pioraram muito, eu posso afirmar para você. No ano passado a gente ainda conseguia, mesmo no auge da pandemia, sair para trabalhar e o auxílio também era melhor”, conta. “Eu posso falar para você, sem vergonha nenhuma, que tem dias que a gente não tem um pão”, disse a carioca.
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Viviane também é mãe solteira e tem dois filhos, sendo um deles ainda adolescente. A situação durante a pandemia, sem as aulas presenciais, também é complicada e, com a diminuição no valor do auxílio emergencial, é cada vez mais difícil abastecer a despensa.
“Eu fui aprovada no auxílio, mas o auxílio é muito pouquinho, né? Arroz custando R$ 25,00, o feijão custando R$ 10,00, você com esse auxílio não consegue comer o mês todo, (...), tenho um adolescente dentro de casa, mas está dentro de casa fazendo nada, sente fome”, desabafou.
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Para ela, neste dia do trabalhador, o que falta é o apoio do governo, principalmente para os moradores de comunidade. “Eu acho que o governo devia olhar por nós, trabalhadores, porque é a gente que faz tudo movimentar, tudo girar”, afirma, “tem dias que a gente chora nem pela gente, só, mas pelo outro que a gente sabe que também tá dormindo com a barriga vazia”.
Para Gisele Busquet, de 37 anos, moradora de São Gonçalo, a situação também é difícil. Trabalhando como diarista, há aproximadamente 10 anos, ela conta que a pandemia prejudicou os negócios. “Sou diarista, mas assim, não tem aparecido mais [trabalho] com tanta frequência como estava, né, devido a pandemia. Eu não trabalho fixo, é quando aparece, quando tem. Aí tá meio complicado agora”, desabafou.
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Gisele Busquet, de 37 anos, diarista e moradora de São Gonçalo.  - O DIA
Gisele Busquet, de 37 anos, diarista e moradora de São Gonçalo. O DIA

Gisele também é mãe solteira e, por conta da pandemia, os seus três filhos estão estudando em casa. Recebendo auxílio emergencial, ela explicou que tem enfrentado dificuldades na movimentação do benefício. “Consta que o benefício está bloqueado, conheço várias pessoas que passaram por isso, (...), prejudica na hora de pagar as contas”, reclamou.

Para a diarista, a situação também piorou em relação ao primeiro ano de pandemia, embora ela esteja conseguindo manter as despesas. “Está mais estreito agora, devido ao desemprego, mas tem dado para suprir, sim. Graças a deus tem dado pra suprir”. E para o futuro dos trabalhadores, Gisele afirmou: “esperança a gente sempre tem, né, tem expectativa”.
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Mudança de área para suprir a demissão
Já Julio Costa, de 39 anos, morador da Lapa, trabalha em regime de CLT, como entregador de supermercado, mas chegou a ser mandado embora de sua antiga empresa, em 2020. Com experiência de mais de dois anos em hotelaria, perdeu o emprego devido à falta de demanda na área.
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Então, durante o período do auxílio-desemprego, Julio começou a fazer entregas de bicicleta. “Me cadastrei no aplicativo Rappi, porque eu não queria ficar em casa parado, eu já estava entrando em depressão. Pensei: tenho que me exercitar, fazer alguma coisa, se não vou acabar morrendo aqui dentro”, contou.
Então, durante o período do auxílio-desemprego, Julio Costa começou a fazer entregas de bicicleta  - O DIA
Então, durante o período do auxílio-desemprego, Julio Costa começou a fazer entregas de bicicleta O DIA
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Após um tempo trabalhando na plataforma, ele conta que começou a buscar sua recolocação no mercado. “Tentei ver qual seria a área em que eu poderia trabalhar que não seria demitido novamente caso fechasse tudo de novo”, disse. Agora, ele trabalha fazendo entregas para uma rede de supermercados na Zona Sul do Rio. “A minha intenção não é ficar no mercado, mas, no momento, eu tenho que ficar lá, porque se eu for para qualquer outra área, eu posso não ficar empregado por muito tempo”.
Na percepção do carioca, as coisas ainda vão demorar a melhorar e, ter um emprego nesse momento, é motivo de gratidão. “Eu dou graças a deus que estou trabalhando, porque tem muita gente que está desempregado, está tentando arrumar trabalho e não consegue. Nesse período de pandemia está muito complicado trabalhar”, relatou.
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O que dizem os especialistas
O advogado trabalhista, Solon Tepedino, explica que há medidas sendo adotadas pelo governo, mas que as mesmas não são expressivas.
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“Muitas empresas que foram obrigadas a fechar não tiveram condições financeiras de arcar com as verbas resilitórias desses empregados. Então, muitos desses não estão recebendo o básico”, explica o advogado.
“Essas medidas provisórias, embora, desde o começo da pandemia, tenham sido editadas, são discretas, não tem nada que possa resolver os problemas”, acrescentou.
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Para Duda Quiroga, vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio (CUT-RJ), o cenário precisa de uma maior atuação do governo.
“Sem uma política de taxação das grandes fortunas para que se consiga dar um auxílio emergencial decente para quem precisa, sem uma política de gerar empregos e, portanto, de aporte para que as pequenas empresas não quebrem, eu acho muito difícil que a gente tenha um cenário de melhora no nosso país a curto prazo”, afirmou, “mas nossa tarefa é transformar a nossa esperança em ação”.
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*Estagiária sob supervisão de Yuri Hernandes