Após STF derrubar lei que reduziu mensalidades, advogados avaliam que escolas podem cobrar retroativo
Na última segunda-feira, o Supremo considerou inconstitucional a lei estadual do Rio, que estabeleceu desconto nas mensalidades durante o estado de calamidade pública
STF considerou inconstitucional a lei que estabeleceu a redução das mensalidades na rede privada de ensino - Pixabay
STF considerou inconstitucional a lei que estabeleceu a redução das mensalidades na rede privada de ensino Pixabay
Rio - Após o Supremo Tribunal Federal (STF) considerar inconstitucional a lei estadual 8.864/2020, do Rio de Janeiro, que estabeleceu a redução das mensalidades na rede privada de ensino durante o estado de calamidade pública decorrente da pandemia, advogados consultados por O DIA avaliam que as instituições educacionais podem realizar uma cobrança retroativa. Isso significa que as famílias podem ter que arcar com um possível custo retroativo, além do valor mensal, o que provoca um impacto maior no orçamento.
A advogada Renata Abalém, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO), explica que, uma vez que a lei foi julgada inconstitucional, ela deixa de existir no meio jurídico, ou seja, perde o efeito. "Se ela teve efeito algum dia, esse efeito é suprimido para valer a regra anterior de forma que os pais que deixaram, em virtude de lei, de pagar as mensalidades na completude, agora, terão que arcar com essa diferença", aponta.
O advogado especialista em Direito do Consumidor Everson Piovesan, do escritório Piovesan & Fogaça Advogados, faz coro: "Apesar de no momento de sua vigência, a lei estar amparando o consumidor, assegurando o direito à redução das mensalidades, a Corte, ao decidir como inconstitucional, decide também que seus efeitos são inconstitucionais. A regra das decisões que declara inconstitucional uma lei é que retroage, ou seja, os efeitos daquela lei editada são nulos".
O diretor do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Rio de Janeiro (Sinepe-RJ), Lucas Werneck, informou que a cobrança retroativa das mensalidades não é uma orientação do sindicato. "É uma decisão individual de cada uma das instituições. Para se ter uma ideia, o município do Rio de Janeiro tem cerca de 2 mil escolas. Cada uma tomou uma atitude diferente no ano passado (em relação ao desconto nas mensalidades). Nós não tivemos uma orientação uniforme".
Se alguma instituição realizar a cobrança retroativa, o que pode ser feito? O advogado indica que a discussão deve ser levada para o Judiciário, "que conforme seu entendimento irá decidir se a norma é válida enquanto vigorou ou não. No primeiro caso, entendo que seria homenagear a ilegalidade, pois os frutos de uma árvore envenenada, envenenados estão", analisa Piovesan.
Na avaliação da advogada, o responsável pelo aluno pode entrar com uma ação na Justiça, mas, de acordo com ela, não vai valer a pena: "Porque ele não terá argumentos, uma vez que o Supremo entendeu que a competência para legislar sobre essa questão escolar é da União", opina Abalém.
O colegiado acompanhou o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, pela procedência da ação. Segundo ele, a lei estadual, ao dispor sobre contratos de prestação de serviços escolares ou educacionais privados, invadiu competência da União para legislar em matéria de direito civil, conforme prevê a Constituição Federal.
Na avaliação de Lewandowski, o estado do Rio não poderia se substituir à União para determinar redução das mensalidades, ainda que mediante lei estadual e em período tão gravoso, pois a Constituição estabelece, minuciosamente, as atribuições e as responsabilidades de cada ente da Federação, justamente para evitar eventuais sobreposições de atribuições.
O ministro lembrou também que esse foi o posicionamento adotado pelo STF no julgamento das ADIs 6423, 6435 6445, em que foram invalidadas leis dos estados do Ceará, do Maranhão e do Pará com conteúdo análogo.
O que diz a Confenen
Em nota, o advogado da Confenen, Ricardo Albuquerque, disse que "em tal julgamento, é importante destacar que o STF reconheceu, mais uma vez, que as leis estaduais que impõem a concessão de descontos nas mensalidades escolares durante a pandemia do coronavírus são inconstitucionais por invadirem a competência legislativa privativa da União para legislar a respeito de direito civil (art. 22, I da CF), reafirmando sua posição já consolidada de considerar que as normas relativas às mensalidades escolares possuem natureza contratual".
Ele acrescentou: "E, mais recentemente, os ministros reconheceram, por maioria, a existência de outro vício de inconstitucionalidade, de natureza material (arts.1º, IV e 170, caput, da CF), por interferir de forma desproporcional na relação contratual existente entre os estabelecimentos de ensino e seus alunos já devidamente regulada".
"Aguardaremos a publicação do respectivo acórdão, porém, trata-se de inequívoca vitória da Confenen, uma vez que reconhece a liberdade contratual e autonomia negocial das escolas como valores constitucionais que merecem total proteção contra intervenções desproporcionais como ocorreu no caso das Leis estaduais impugnadas que estabeleceram reduções no valor das mensalidades de forma linear, sem considerar as situações específicas das escolas bem como dos alunos, elegendo indevidamente o setor da educação privada como vilão e, assim, digno de assumir prejuízos", finalizou Albuquerque.
'Providências jurídicas'
A decisão ainda cabe recurso. Procurada por O DIA, a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ) informou, em nota, que o estado do Rio de Janeiro, por meio da PGE-RJ, "vai avaliar o acórdão do STF para definir que providências jurídicas serão tomadas para o desdobramento do processo".
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