Para o consumidor final, o aumento dos produtos enlatados chega a 10% em média, podendo superar 16%Divulgação/Abras

Rio - A alta do preço da folha de flandres, utilizada na fabricação de embalagens de aço, impactou o valor dos produtos enlatados e provocou um aumento que chega a 10% em média para o consumidor final, podendo ultrapassar 16%. O insumo, que tem participação de até 25% nos custos de produção dos alimentos industrializados, apresentou reajuste de mais de 100% nos últimos 12 meses. Os produtos mais impactados são os vegetais em conserva (milho e ervilha), molhos e concentrados de tomate, além da sardinha. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).
As embalagens de aço, produzidas a partir da folha de flandres e da folha cromada, são utilizadas na produção de centenas de produtos alimentícios de consumo frequente da população brasileira, além de itens direcionados à nutrição clínica e hospitalar, como fórmulas infantis, complementos e suplementos alimentares, entre outros.
Na avaliação do professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Mauro Rochlin, o cenário é preocupante. "Porque não só as embalagens tendem a se tornarem mais caras por força do aumento da folha de flandres, mas também por conta de outros fatores que vêm pressionando o preço, como estiagem, crise hídrica, seca e custo mais alto de energia elétrica e o aumento no preço das commodities".
Dificuldades no abastecimento
De acordo com o presidente executivo da Abia, João Dornellas, o mercado sentiu o grande impacto a partir do segundo semestre de 2020, "quando a indústria de alimentos passou a enfrentar dificuldades no abastecimento da folha de flandres, além da aceleração dos preços", reforçou Dornellas. Segundo ele, atualmente, a entrega do produto está em atraso de cerca de 25 dias, com tempo de espera "lead time" de 55 dias, ante os 30 dias em condições normais. 
Na tentativa de minimizar esses efeitos, a associação enviou, em junho, um pedido de redução do imposto de importação de flandres (12%) para a Camex (Câmara de Comércio Exterior). O pedido está sendo analisado pela Gecex (Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior), após uma sinalização parcialmente positiva da área técnica, conforme informou a Abia. "Uma resposta positiva é aguardada em breve", acrescentou.
"Quanto ao abastecimento interno, a situação vai, aos poucos, apresentando melhoras, apesar de estar longe da normalidade. A Abia segue monitorando o mercado, pois as projeções da associação demonstram que a demanda vai continuar aquecida. As importações de folha de flandres, que estão em alta desde o ano passado, devem passar de 58 mil toneladas neste ano para 70 mil toneladas em 2022", explicou a entidade.
Impacto no bolso
Marcio Sette Fortes, economista e professor do Ibmec RJ, afirmou que, para se entender os efeitos do crescimento de preços, deve-se compreender qual o emprego da folha de flandres como insumo industrial. "O produto é destinado à indústria de embalagens metálicas que, por seu turno, se destinam à indústria alimentícia".
"Assim, o que se percebe é uma transmissão dessa alta dos preços da folha de flandres para os alimentos enlatados, como sardinhas, leite em pó e vegetais enlatados, como milho e ervilha por exemplo, produzindo uma inflação que chega à mesa das famílias em uma estimativa de sobrepreço entre 10% e 20%", esclareceu o professor, completando que famílias de menor renda relativa podem ser mais atingidas, levando em conta a preferência da sardinha como proteína.
A professora Maria José Lopes, de 48 anos, contou que já percebeu o aumento do valor de alguns alimentos enlatados. "Lembro de pagar cerca de R$ 1,20 na lata de milho há pouco tempo. Atualmente é um desafio encontrar uma por menos de R$ 3,00. A sardinha também aumentou demais, o preço praticamente igualou ao do atum. Esse já não senti tanta diferença, acho que ainda tá com um preço bom", comentou.

Ela enfatizou que considera um "absurdo" a elevação dos preços dos produtos alimentícios em geral. "São coisas básicas, se o brasileiro não puder comprar uma sardinha, vai poder comprar o que? É muito triste", opinou Maria José. 
A professora acrescentou, ainda, que para economizar, passou a fazer pesquisas. "Compro alguns itens em um mercado, outros em outro, sempre buscando o melhor preço. Outra coisa que me ajuda são os aplicativos que oferecem descontos durante a semana, normalmente vale muito a pena".
Consumo 
Segundo uma estimativa feita pela Abia e divulgada com exclusividade para O DIA, o consumo de folhas de flandres na indústria acumulou 285 mil toneladas no ano passado e somou cerca de 150 mil toneladas nos últimos seis meses. "As empresas da Abia representam cerca de 40% do consumo de folha de flandres no país", informou a entidade.
O presidente da associação avaliou que, para alguns tipos de alimentos, existe a possibilidade de substituir a folha de flandres: "Porém, com perda de funcionalidade na embalagem ou custos superiores, caso das embalagens flexíveis 'pouch' para alimentos infantis e das latas de alumínio para conservas de pescados", disse Dornellas. "Outro ponto importante é a preferência, já consolidada, dos consumidores por este tipo de embalagem em várias categorias de alimentos", completou.
Em relação ao cenário nos próximos meses, o professor do Ibmec indicou que não há solução para o curtíssimo prazo. Isso porque, segundo ele, não há como extrapolar o limite da capacidade produtiva nacional, exceto se houver novos investimentos em máquinas, equipamentos e novas unidades produtoras. "Isso leva tempo e os juros apresentam tendencial de alta, encarecendo o custo de capital para novos investimentos".