Proposta permite que um mesmo imóvel seja dado como garantia em várias operações de créditoReprodução

A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (1º), um projeto de lei que amplia as possibilidades de penhora de bens de família oferecidos como garantia em empréstimos. O texto autoriza a penhora de imóveis, e que o bem móvel seja usado como garantia em diversas operações de crédito. Especialistas ouvidos pelo DIA sustentam que PL surgiu em um cenário de grande inadimplência bancária e acreditam que o PL será debatido em ações de inconstitucionalidade.
O projeto, que ainda será votado pelo Senado, permite a penhora sobre "imóvel oferecido como garantia real, independentemente da obrigação garantida ou da destinação dos recursos obtidos, mesmo quando a dívida for de terceiro". Segundo a especialista em direito imobiliário, Tereza Gaia, a proposta mexe com o "bem de família" e tem gerado muita "polêmica" no meio jurídico.
"Basicamente a mudança repousa na possibilidade de penhora pelos bancos e/ou instituições bancárias do famoso bem de família (o único imóvel da família). O projeto tem gerado extrema polêmica no meio jurídico uma vez que ele surge em um cenário econômico pós-pandemia, onde temos um número crescente de inadimplência bancária", afirmou Tereza.
O PL altera a regra de concessão do imóvel como garantia de empréstimos e de expropriação do bem. Hoje, os imóveis só podem ser dados como garantia de um único empréstimo e, em caso de inadimplência, o bem é expropriado pela Justiça, que o avalia e levanta suas dívidas antes de levá-lo a leilão. Nesse processo, é possível que o bem seja vendido pela metade do valor da avaliação.
Caso o PL seja aprovado, as instituições privadas autorizadas pelo Banco Central passarão a avaliar os imóveis dados como garantia no momento em que o contrato de empréstimo for fechado.
"A gente tem uma questão muito interessante nesse ponto. Vamos supor que eu tenha pego um empréstimo para pagar em cinco anos e meu imóvel, dado como garantia, tenha sido avaliado em R$ 500 mil. Três anos depois, eu tenho algum problema e não consigo mais pagar. Será que a avaliação que foi feita há três anos estará de acordo com o valor de mercado do período em que for feita a expropriação? Porque o valor do imóvel muda devido a vários fatores e essa é uma questão que não ficou clara nesta lei", ressalta a advogada imobiliarista Milena Assumpção.
Essas mesmas instituições serão responsáveis pela expropriação do imóvel de forma extrajudicial. Para isso, elas terão que seguir as regras determinadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A proposta também prevê que um mesmo imóvel seja dado como garantia para várias operações de crédito. Para Tereza, o impacto maior nesta decisão seria para quem está "recebendo a garantia".
"O impacto maior seria aquele que esta neste caso recebendo a garantia, pois imagine uma pessoa que deu o imóvel como fiança em um contrato de locação que já estaria oferecido em garantia de pagamento de outros dois financiamentos bancários... Já o impacto ao proprietário seria a possibilidade real de não mais poder usar a impenhorabilidade do bem da sua família como escudo para se defender da cobrança de sua inadimplência através de seu patrimônio", completou.
Em casos como esse, as instituições vão expropriar o imóvel, leiloá-lo e, em 180 dias, notificar os bancos que receberam o imóvel como garantia para repassar os valores. O que sobrar voltará para o consumidor.
De acordo com o PL, a expropriação do imóvel poderá ser feita mesmo quando o empréstimo beneficiar apenas um dos moradores da casa. Se o proprietário do bem mora com seu filho e dá o imóvel como garantia de um empréstimo que utilizará sozinho, por exemplo, a casa poderá ser tomada mesmo que o filho nunca tenha tido acesso ao dinheiro ou ao bem comprado pelo seu pai.

"Eu acho que vão surgir muitas questões judiciais para proteger as pessoas não beneficiadas por esses empréstimos. Essa lei ainda vai ser muito debatida com ações de inconstitucionalidade", reflete Milena. 
No caso de imóveis que estão no nome do casal, ambos deverão assinar o contrato de empréstimo, pois se um dos dois não aceitar o acordo, sua parte do imóvel não poderá ser afetada pela expropriação. Na hora de analisar o imóvel, as instituições autorizadas deverão avaliar essas situações.
O texto amplia também a lista de imóveis que podem ser penhorados. Agora, essa regra alcança qualquer tipo de execução sobre imóvel oferecido como garantia real, o que contempla também a "alienação fiduciária".
Para o especialista Cristiano Tebaldi, professor da Universidade Candido Mendes, essa parta do texto não acarretará mudanças, pois um imóvel alienado já não pertence ao proprietário, somente ao final da quitação integral do empréstimo.
"Esses institutos (hipoteca e alienação fiduciária) não mudam com a nova lei. De forma simplificada, na hipoteca, a propriedade do bem imóvel continuará em nome do proprietário/devedor. Na alienação fiduciária a propriedade é registrada em nome do credor. O proprietário do bem imóvel é a instituição financeira. O devedor só será o proprietário no registro de imóveis quando o empréstimo for integralmente quitado", afirmou Cristiano, advogado do Tebaldi, Souza & Werneck.
O PL foi criado para dar mais segurança ao sistema de créditos e diminuir a taxa de juros, mas Milena lembra que ainda não há clareza sobre essa redução. "A justificativa é boa, mas precisa de uma fiscalização para ver o que vai trazer efetivamente de redução de taxas de juros para outras pessoas terem mais possibilidades de empréstimo e a economia melhorar. Tivemos um impacto muito grande com a pandemia e é preciso fomentar a economia”, afirmou. “A gente vê um benefício enorme para as instituições financeiras, mas eu não vi nenhum lugar anunciar que vai diminuir, vamos supor, de 8% para 5%. Não vi em nenhum lugar. Ficou um discurso de que seria para isso, mas efetivamente não tem essa informação”, concluiu.
Se o consumidor tiver dificuldades para quitar o empréstimo, o ideal é acionar a Justiça para assegurar a manutenção de posse do imóvel e a rediscussão das cláusulas do empréstimo, principalmente em casos de cobrança excessiva. "Às vezes, as pessoas só veem que tem onerosidade excessiva quando dá um problema", afirma Milena. "Se existe uma boa fé, uma possibilidade de pagar um valor inferior tem que procurar o Judiciário para passar essa informação de que mudou a situação [econômica], ou até que tem cobrança abusiva, para ter a manutenção da posse", adiciona.
*estagiárias sob supervisão de Thiago Antunes