O setor de saúde complementar ultrapassou a marca de 50 milhões de usuários neste ano, de acordo com os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os planos exclusivamente odontológicos também registraram crescimento, com mais de 30,6 milhões clientes em 2022. Já as coberturas médico-hospitalares, no comparativo de outubro de 2022 com setembro de 2022, registram 72.768 beneficiários. Apesar dos números robustos, nem tudo são flores.
Em junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por seis votos a três, que o Rol da ANS seria taxativo. Antes, prevalecia o entendimento que o Rol era exemplificado, sendo possível a cobertura de itens não listados quando recomendados pelo médico. Com a decisão do STJ, ficaria mais difícil para os usuários terem acesso aos procedimentos fora da lista na Justiça.
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é a lista de consultas, exames, terapias e cirurgias que constitui a cobertura obrigatória para os planos de saúde regulamentados, contratados após 2 de janeiro de 1999. A lista possui mais de 3.300 itens que atendem a todas as doenças classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e pode ser consultada no site da própria agência de saúde.
Em setembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o Projeto de Lei (PL 2.033/2022), A medida derrubou a decisão do STJ, fazendo com que as operadoras sejam obrigadas a cobrir tratamentos prescritos por médicos e odontológicos, mesmo que não estejam na lista, desde que: exista comprovação da eficácia, segundo evidências científicas e plano terapêutico; ou que seja recomendado pelo Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou por outro órgão de avaliação tecnológica de renome internacional.
Segundo Bruna Manfrenatti, advogada especialista em saúde, mesmo com a aprovação dessa PL os planos de assistência não têm cumprido com o que foi determinado em lei. "As operadoras de saúde continuam a negar os procedimentos sob a justificativa de que os mesmos não possuem eficácia comprovada, cabendo ao consumidor essa comprovação", alerta.
"A lei é clara no dever de as operadoras de saúde custearem os procedimentos que não se encontram listados no Rol. Ademais, a não cobertura do tratamento indicado pelo médico assistente do autor, coloca em risco a vida do mesmo, bem como desvirtua a função social do contrato", explica a especialista.
A Associação Brasileira de Plano de Saúde (Abrange) alega que a medida traz riscos a saúde dos pacientes e afirma não ter havido "um debate técnico mais aprofundado sobre o assunto". Segundo a associação, "corremos o risco de que medicamentos e outras tecnologias sejam testadas pela primeira vez nos beneficiários de planos de saúde, já que o texto previsto dispensa a necessidade de qualquer estudo mais aprofundado, que comprove benefício clínico, segurança, eficácia e custo efetividade, ou seja, podemos nos tornar um grande campo experimental para laboratórios".
Para a ANS, seria importante se ao menos lei considerasse não apenas o critério de existência de comprovação da eficácia baseada em evidências científicas ou de aprovação por um órgão de avaliação de tecnologia, mas os dois critérios associados.
Já a Secretaria Geral da Presidência informou por meio de nota que a sanção confere "maior segurança ao usuário nos contratos de planos de saúde". A lei também "busca evitar a descontinuidade de tratamentos médicos, especialmente, àqueles que são portadores de doenças raras".
Ano marcado por prejuízos
A saúde suplementar no Brasil movimenta cerca de R$ 200 bilhões anualmente. De acordo com dados da ANS, entre janeiro e setembro deste ano o setor teve receita de R$ 157 bilhões; Contudo, nesse mesmo período, registrou prejuízo operacional de R$ 10,9 bilhões. É o pior momento financeiro registrado na história dos planos de saúde no Brasil.
Segundo a associação que representa o setor, em 2021, os planos médico-hospitalares tiveram um prejuízo de quase de R$ 1 bilhão. A expectativa era de que em 2022 o setor voltasse à normalidade, mas as empresas enfrentam "as maiores despesas da história".
"É sabido que 2023 será desafiador. O resultado precisa melhorar. É bom lembrar que o instrumento plano de saúde não é simplesmente uma empresa. Representa sim um conjunto de várias pessoas organizadas em grupos que se solidarizam e financiam o acesso à saúde para aqueles indivíduos que precisarem de cuidados de saúde", disse a associação.
Para a Abrange, a sociedade organizada precisa contribuir com soluções que tragam acesso a saúde de forma sustentável. "É sabido que aumentar os valores dos planos de saúde de forma indiscriminada acaba por restringir o acesso da população ao serviço de saúde. Daí a importância de nos organizarmos e estabelecermos regras que obedeçam a protocolos e melhores práticas, dentre tantos outros temas de extrema relevância. A solução passa por racionalidade, aumento de eficiência, por adequação de produtos que forneçam acolhimento e acesso à saúde de forma sustentável", destaca a entidade.
Aumento de beneficiários nos estados
O setor registrou alta do número de beneficiários de planos de assistência médica em 25 unidades federativas, sendo São Paulo (18.065.468), Minas Gerais (5.648.988) e Rio de Janeiro (5.464.607) os que tiveram o maior ganho em números absolutos. Entre os odontológicos, 26 unidades federativas registraram crescimento no comparativo anual, sendo também que São Paulo (11.084.184), Minas Gerais (2.762.487) e Rio de Janeiro (3.593.440), os estados com maior crescimento.
Entre os consumidores dos planos de assistência médica, a maior concentração de contratantes está nos adultos entre 35 a 39 anos, totalizando mais 5 mil usuários. A mesma faixa etária contabiliza mais de 3,6 mil pessoas na contratação de planos exclusivamente odontológicos. Em seguida, estão os consumidores de 40 a 44 anos, sendo mais de 4.807 de assistência médica e mais de 3.415 em odontológica. Por fim, estão os usuários de 30 a 34 anos com mais de 4.596 beneficiários de assistência e mais de 3.420 exclusivamente odontológicos, de acordo com os dados da ANS.
No país há 710 operadoras em atividade. Segundo a ANS, o valor médio do Valor Comercial da Mensalidade (VCM) pode variar entre R$ 224 (para recém-nascidos até 18 anos) e aR$ 1,271 (acima de 59 anos). Cada plano possui uma precificação específica, definida a partir de variáveis como o número de pessoas cobertas pela empresa, faixa etária, cobertura, rede credenciada, tipo de internação, área de abrangência, existência ou não de coparticipação, com ou sem reembolso, por exemplo.
A agência determina os limites máximos de carência que podem ser exigidos pelas operadoras, o que não as impede de designar períodos menores. A legislação prevê:
- 180 dias para procedimentos de modo geral; - 24 horas para os casos de urgência e emergências; - 300 dias para parto; - 24 meses para doenças preexistentes.
Antes de contratar um plano de saúde, é fundamental saber saber quais são os limites do período de carência que possa ser imposto pelas operadoras. É aconselhável também que o consumidor procure uma corretora de planos com credibilidade no mercado, para ajudá-lo a encontrar as opções mais adequadas.
Queixas
A agência recebe queixas dos usuários de planos de saúde diariamente. Até julho, as reclamações já totalizavam mais de 20 mil. Entre elas, mais de 260 foram relacionadas a casos de Covid-19. Cerca de metade delas (49%) diz respeito a dificuldades na realização de exames e tratamentos para doenças. Segundo a ANS, 90% das reclamações registradas puderam ser resolvidas por meio de sua intermediação de conflitos.
A agência destacou que o índice de problemas solucionados pelo canal de atendimento é de 90% de resolutividade. "ANS é o principal canal de recebimento de demandas de usuários de planos de saúde no país e atua fortemente na intermediação de conflitos entre beneficiários e operadoras, através da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP), ferramenta criada pela ANS para agilizar a solução de problemas relatados pelos consumidores", destaca a ANS.
Após a reclamação registrada pelo beneficiário, a operadora responsável tem até cinco dias úteis para resolver o problema nos casos de não garantia da cobertura assistencial e até 10 dias úteis os relativos a demandas não assistenciais. Se o problema não for resolvido pela NIP, poderá ser aberto procedimento administrativo, com posterior aplicação de multa.
"A mediação feita pela ANS busca solucionar de forma ágil as queixas dos beneficiários e, ao mesmo tempo, objetiva que as operadoras reparem sua conduta irregular e resolvam os problemas dos beneficiários e evitando, assim, a abertura de processo administrativo e judicial", explica agência.
Algumas situações acabam não sendo resolvidas por intermédio da agência, como no caso dos atendimentos recusados pelos planos, como os tratamentos fora da lista do Rol. Segundo a advogada Bruna Manfrenatti, "quando o atendimento for recusado o primeiro passo é solicitar à operadora o motivo de negativa, para saber qual caminho seguir". "As disputas judiciais mais recorrentes são as negativas de tratamento, procedimento e reajuste", acrescentou.
A ANS lembra que qualquer dificuldade encontrada pelo beneficiário deve ser questionada primeiro a operadora. Caso o problema não seja solucionado, o consumidor deve entrar em contato com a agência por um de seus canais de atendimento:
- Disque ANS (0800 701 9656): atendimento telefônico gratuito, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 20h, exceto feriados nacionais. - Central de atendimento para deficientes auditivos: 0800 021 2105. - Formulário eletrônico "Fale Conosco na Central de Atendimento" ao Consumidor
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