Navio-usina da KarpowershipDivulgação
Navios-usina recebem R$ 300 milhões por mês, mas não pagam multa de R$ 843 milhões
No início de março, a Justiça Federal atendeu aos pleitos da Aneel de garantir recursos para o pagamento das penalizações
Os quatro navios-usina que foram instalados no litoral do Rio de Janeiro para gerar energia de forma emergencial se transformaram em um imbróglio financeiro sem fim. As usinas da empresa turca Karpowership (KPS), que foram contratadas a peso de ouro pelo governo Bolsonaro, descumpriram o prazo para entrar em operação e chegaram a ter o pedido de concessão anulado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A empresa, porém, recorreu da decisão, para que suas concessões não fossem anuladas, enquanto a agência não concluísse a avaliação de suas justificativas para os atrasos.
Paralelamente, a companhia foi à Justiça e conseguiu liminares que impediam a cobrança de multas pelo descumprimento do cronograma previsto nas regras do leilão.
Em meio à celeuma jurídica, a Karpowership acabou por concluir as instalações para transmitir a energia a partir das usinas térmicas instaladas sobre seus navios e, assim, passou a ser remunerada por isso. Em janeiro, a empresa recebeu R$ 394 milhões. Em fevereiro, estavam previstos mais R$ 259 milhões para o caixa. Paralelamente, porém, a companhia deixou de pagar R$ 843 milhões devido ao atraso nas operações e o descumprimento dos compromissos assumidos em contrato.
A Aneel reagiu. No início deste mês, a Justiça Federal atendeu aos pleitos da agência para garantir recursos para o pagamento das multas. Pela decisão liminar, os navios da empresa não podem sair do Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, até uma nova decisão judicial. O juiz determinou ainda que 25% das receitas que a KPS recebe pela geração de energia devem ser retidos.
A Justiça autorizou a empresa a receber os R$ 259 milhões previstos para fevereiro, mas já com o abatimento de 25%. A Aneel afirmou, no processo judicial, que a situação poderia "trazer danos irreversíveis à administração, bem como aos cidadãos, caso permanecessem os repasses mensais à empresa turca, que não paga as multas com respaldo de decisões judiciais".
"De um lado, a KPS começou a gerar energia elétrica e a receber a receita de venda dos contratos. De outro lado, a KPS tem se esquivado do cumprimento das obrigações editalícias e contratuais de pagamento de penalidades apuradas em razão do atraso", afirmou a agência.
Por meio de nota, a KPS declarou que "cumpre todas as suas obrigações com as autoridades brasileiras" e que "opera seu projeto no Porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, em estrito cumprimento da legislação nacional".
Em outubro de 2021, o governo Bolsonaro assinou acordo para instalação de 17 usinas no País, por meio de um contrato simplificado, que driblava diversas etapas comuns a processo de licenciamento ambiental, por exemplo. Foram contratadas 14 usinas movidas a gás, duas a painéis solares e uma a biomassa.
Todas tinham de estar em operação plena no dia 1º de maio de 2022, com possibilidade de prorrogação até 1º de agosto. O prazo apertado tinha como meta gerar energia nos meses de seca e preservar os reservatórios das hidrelétricas. O que aconteceu é que muitos dos empreendimentos contratados não cumpriram o cronograma e não foram acionadas, alegando uma série de dificuldades de todo tipo.
Paralelamente, como houve muita chuva, os reservatórios ficaram cheios e essas usinas, na prática, passaram a não ser mais necessárias. Naquela ocasião, governo concordou em pagar um preço médio de R$ 1.563 pelo megawatt-hora dessas usinas, mais de sete vezes o valor médio contratado em outros leilões. Mais do que isso, o contrato prevê que essas usinas fiquem 100% do tempo ligadas, e até dezembro de 2025.
Quem paga a conta são todos os consumidores do País. Nos cálculos da Aneel, está previsto o pagamento de R$ 11,7 bilhões por ano para essas empresas.
Instituto Internacional Arayara pede fim de concessões
O Instituto Internacional Arayara, organização que atua na área ambiental, enviou pedido à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), para que o órgão regulador confirme o cancelamento das concessões dos navios-usina.
Em carta enviada à agência na semana passada, a organização pede que a diretoria da Aneel tome uma decisão final sobre as alegações da empresa Karpowership para os atrasos de suas usinas, sob risco de o cenário implicar em mais custos para os consumidores de energia.
"A medida é mais urgente do que nunca, haja vista que caso a situação permaneça, em breve a KPS irá receber nova quantia multimilionária", afirma o Instituto Arayara, que pede o "indeferimento do pedido de reconsideração feito pela KPS, com a consequente revogação das autorizações e aplicação de todas as penalidades cabíveis".
Os processos relacionados a empresa turca chegaram a ser pautados no mês passado, mas o julgamento foi adiado e não há previsão de quando acontecerá. O relator dos processos, diretor Ricardo Tili, aguarda o posicionamento da Procuradoria Federal junto à Aneel para submeter o tema à análise do colegiado.
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