Com poucos passageiros, o Aeroporto Tom Jobim se transformou em um elefante brancoDivulgação

Inaugurado em 20 de janeiro de 1977, o Aeroporto Internacional Tom Jobim, conhecido pelos cariocas como Galeão, já foi a principal porta de entrada de estrangeiros no Brasil. Em 46 anos de operação, o terminal perdeu importância. Hoje vive uma situação que nada tem de parecida com os tempos de glória. Redução drástica do número de passageiros, transferência de voos para outros destinos, problemas com a concessionária que o administra e a concorrência com o Santos Dumont colocam em dúvida o futuro do aeroporto.
Os números mostram a decadência do Galeão. Em 2015, ano de recorde em termos de fluxo, o aeroporto recebeu 16,9 milhões de passageiros. Em 2019, no período pré-pandemia, foram 13,5 milhões, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O fundo do poço chegou no ano passado, quando apenas 5,8 milhões de pessoas embarcaram ou desembargaram no Tom Jobim — uma queda drástica de 56% em relação a 2019.
O esforço para estancar o esvaziamento do Tom Jobim mobiliza a Prefeitura e o governo do Estado, que buscam apoio do Ministério dos Portos e Aeroportos para encontrar alternativas que revertam a perda de passageiros, atraiam companhias aéreas e tornem o terminal mais movimentado. A primeira medida já foi tomada. Os Correios vão concentrar sua movimentação de cargas no Galeão.
Raízes do problema
O esvaziamento do Tom Jobim não se deve apenas a um fator. Várias questões contribuíram ao longo de décadas para a perda de importância no cenário da aviação. A crise econômica enfrentada pelo Estado nos últimos anos fez cair o número de voos internacionais. Somam-se a isso os estragos causados pela violência na imagem do Rio de Janeiro no cenário do turismo internacional. Atraindo menos visitantes, a cidade também deixou de ser interessante para as empresas aéreas, que reduziram o número de voos ou até mesmo cancelaram rotas que tinham a capital fluminense como destino.
Outro fator que impactou as operações do Galeão foi a diversificação da malha aérea. Até o fim dos anos 1980, o Rio de Janeiro era a principal porta de entrada para o viajante estrangeiro. A partir daí, o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, consolidou-se como o grande hub para as empresas que operam rotas para Europa, América do Sul, Estados Unidos, Caribe África e Ásia. Além disso, as companhias estrangeiras passaram a investir em voos diretos ligando capitais como Brasília, Salvador e Fortaleza a cidades norte-americanas e europeias.
O agente de viagens Raslan Youssef, com a experiência de quem trabalha há 30 anos na montagem de pacotes para turistas estrangeiros, avalia que a revitalização do Galeão depende de ações voltadas para atrair os visitantes para o Rio de Janeiro. Segundo ele, hoje a imagem da cidade e a concorrência com outros destinos nacionais torna a tarefa complexa.
“Há 20 anos, o turista estrangeiro via o Rio de Janeiro como a primeira opção no Brasil. Hoje, um europeu tem voos diretos para Fortaleza, por exemplo. Além de ser uma viagem mais curta e mais barata, há a questão da violência urbana, que assusta o viajante. Para o Galeão passar a ter novamente relevância, é preciso uma forte campanha para destacar os atrativos da cidade. Não basta apenas falar em praia; isso o Nordeste também tem. Precisamos mostrar que o Rio de Janeiro vai além das belezas naturais. Aqui há um cenário cultural rico, há cidades fluminenses com potencial turístico pouco explorado. Se houver mais turistas estarngeiros, haverá mais voos para o Galeão”, sugere.
O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, corrobora a avaliação de Youssef. Em uma reunião da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados na terça-feira, 9, ele falou sobre a importância de dar ao Galeão condições para reverter o esvaziamento. Para tanto, segundo Freixo, é necessário repensar o funcionamento do Santos Dumont, o principal concorrente do Tom Jobim.
“Não há um aeroporto do mundo que desça num cenário como o Santos Dumont, mas não é esse o debate. A pista é na água e não há possibilidade de aumentá-la. Portanto, não há voo internacional para o Santos Dumont. Então, ou se recupera o Galeão ou não tem voo internacional para o Rio. Esse é o debate. Se acharmos importante que tenhamos voo internacional para o Rio, se acharmos isso importante para a economia brasileira, importante para o turismo, importante para a geração de emprego, temos que recuperar o Galeão”, afirmou.
Concorrência
Enquanto o Galeão viu o número de passageiros cair vertiginosamente, processo inverso ocorreu no Aeroporto Santos Dumont. Em 2019, antes da pandemia, o terminal doméstico recebeu 9 milhões de passageiros. No ano passado, foram 10,1 milhões. As empresas aéreas têm cada vez mais optado por colocar voos no Santos Dumont, deixando o Tom Jobim em segundo plano.
O Ministério dos Portos e Aeroportos busca reverter esse quadro, limitando o número de voos no Santos Dumont, “forçando” a transferência para o Galeão. A Anac também participa do esforço de revitalização. No mês passado, a Pasta determinou a elaboração de estudos para tornar o terminal mais atrativo para as empresas aéreas. Segundo o ministro Márcio França, em postagem no Twitter, “retomar o protagonismo do Galeão (…) é um compromisso nosso demonstrado desde o início do governo Lula”.
Em reunião com o governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes, França apresentou algumas propostas. Contudo, tanto Castro quanto Paes destacam que qualquer iniciativa para revitalização do Galeão passa necessariamente pela limitação do número de voos no Santos Dumont.
A disputa entre os dois terminais cariocas tem como pano de fundo o processo de privatização do Santos Dumont, hoje administrado pela estatal Infraero. No governo Jair Bolsonaro, o aeroporto central do Rio recebeu inúmeros incentivos para ampliar o número de passageiros, deixando-o mais atrativo para os investidores. Com o aumento do número de voos, o índice de atrasos em pousos e decolagens no aeroporto central subiu para 29% no primeiro bimestre deste ano — no mesmo período de 2002, foi de apenas 7%.
Com a mudança no governo federal, o modelo de privatização do Santos Dumont passou a ser rediscutido. União, Estado e município querem evitar que a passagem do terminal para a iniciativa privada represente o tiro de misericórdia na viabilidade econômica do Galeão. Entre as mudanças propostas, está a limitação das conexões domésticas no Santos Dumont, transferindo-as para o Tom Jobim.
Concessionária devolve o Galeão
Privatizado em 2014, o Aeroporto Tom Jobim hoje é administrado pela concessionária Changi. O grupo estrangeiro já manifestou o interesse de devolver o terminal ao governo. A queda do número de passageiros e a consequente redução das receitas levaram o grupo a tomar a decisão. O aspecto econômico pesou. A Changi paga uma outorga anual de R$ 1,3 bilhão à União. Com movimento reduzido, a empresa alega que não tem como pagar e solicitou desconto de 50% — possibilidade descartada pelo ministro Márcio França, que explica ser ilegal a concessão de qualquer abatimento na outorga.
O impasse sobre o futuro do Tom Jobim pode fazer com que o aeroporto volte à administração da estatal Infraero. Caso a Changi concretize a devolução, o governo reassumirá o aeroporto. No Planalto, há quem veja essa possibilidade como uma vantagem. Assim, seria possível montar editais de venda levando-se em conta a sinergia entre os dois aeroportos cariocas.
O governador Cláudio Castro e o prefeito Eduardo Paes já sugeriram que o Santos Dumont se limite a receber os voos da Ponte Aérea, com o Tom Jobim ficando com as demais rotas nacionais. A medida poderia levar a um aumento imediato de, no mínimo, 5 milhões de passageiros por ano no Galeão. Em um novo modelo de privatização dos terminais, isso garantiria a sobrevivência do Tom Jobim, hoje um terminal ocioso, um elefante branco caro e pouco útil.